"Contar histórias emancipa tanto quem conta, quanto quem ouve".
Verdade lindamente expressa pelo contador de histórias, ator, escritor, ilustrador e mestre em Literatura Brasileira Celso Sisto, em seu estudo da arte de contação de histórias (e estórias), que publico abaixo, como material de apoio para quem está iniciando nessa arte, incluindo a excelente bibliografia que o Celso indica.
***
"Contar história pode ser uma sinfonia. Desde que nesta sinfonia, orquestrada com palavras, entrem todos os instrumentos: do sopro da respiração, ao metal da voz; do dedilhar do corpo, ao ribombar do olhar.
Contar histórias pode ser uma opereta. Desde que nesse gênero cênico do conto, as partes embaladas pelo ritmo da fala se alternem com o que se narra com alma.
Contar histórias pode ser uma dança coreográfica. Desde que nesta seqüência de palavras com corpos e corpos com palavras, se esteja inteiramente comprometido com a melhor maneira – e nunca a única – de se expressar o coração da palavra. E que a fala, os movimentos, passos e gestos estejam associados à emoção, e claro, à plasticidade.
Contar histórias na verdade é a união de muitas artes: da literatura, da expressão corporal, da poesia, da musica, do teatro... Não há como ignorar esse quê de performático do contar histórias. Ainda que o foco maior seja apenas a voz e o texto, projetados no espaço, para atingir uma plateia. A utilização apenas desses dois elementos, voz e texto, por si só já bastaria para caracterizar o cênico e o dramático.
Mas a palavra merece mais do que um espetáculo. A palavra na boca de quem conta é o próprio espetáculo, se com isso extrapolar-se a noção de cartilha. Se para isso o narrar, o comunicar, o dialogar, o atingir outrem, o suspender o tempo, o emocionar, estiverem conjugados de modo a transformarem um texto em objeto duplamente estético. Estético na escrita, estético na passagem para a oralidade. Impacto estético antes, durante e depois!
As palavras contadas, então, adquirem um aspecto melódico, rítmico, visual; trazem no jeito que foram ditas, uma concretude que faz o outro ver o que se narra. As palavras contadas surgem prenhes de intenção, força, emoção. As palavras contadas querem dizer muito mais do que dizem em sua camada fônica.
Então, o que é necessário para que contar histórias seja arte ao alcance de quem deseja fazê-la? Extrapolar as amarras do didático, do exemplar e do mero informativo. Saltar da obrigação de ensinamento para a noção de fruição, de prazer estético, de embelezamento da conversa trocada através de uma história, do exercício de linguagem que procura a forma adequada para dizer-se de si mesmo.
Mas duvido que uma história bem contada não produza ecos no ouvinte! Ecos que se prolongam para além do momento do narrado.
Essas marcas, visíveis e invisíveis, nem sempre se pode perceber no calor da hora. Quem ouve uma história quer sempre ser atingido, de alguma forma, quer ser atingido. Quem conta, quer igualmente experimentar o poder da palavra (não sejamos hipócritas!), o poder do encantamento, e o poder do vice-versa: marcar e ser marcado! Estamos falando de uma arte que se faz, num momento específico, irrepetível, e de uma arte do que fica, para o depois do acabado! Contar, então, é também a arte da reverberação!
E quem é que dá esse status de arte, tão cutânea, ao contar história? A dignidade de quem conta, ao lidar com a palavra, sua ou do outro. A ética de quem conta, ao usar esse instrumento de sedução, tão aberto aos mecanismos de manipulação. Não é o carimbo da biblioteca, nem a exposição na prateleira dos livros de arte da livraria, nem o lugar fixo entre as dissertações e as teses universitárias (e nós, não temos, nem ao menos, uma crítica especializada no assunto!) que garantem o lugar de arte para o contar histórias. É o fazer, “in vivo” (que é mais que “in loco”), que é este fazer que permite quase tocar o texto com as mãos, quase roçar nos olhos do ouvinte com a história, quase apresentar as infinitas possibilidades de leitura de um texto. A arte do contar histórias opera antes com a noção de sugestão, de esboço. Nenhum contar é definitivo e pronto e acabado. Toda história contada oralmente é antes de tudo, uma obra em processo, que
precisa do outro para ser completada.
Mas não basta boa intenção para fazer arte. A arte de contar exige um fazer anterior, um preparo, um domínio prévio, um conhecimento, estudo, ensaio, profundidade. E é, evidentemente, exercício de longo prazo. A arte de contar histórias é também a arte de não fazer concessões: contar bons textos, contar tendo preparado, contar para ir além do que se conta. No mínimo, técnica e emoção. Técnica e repertório. Na ordem que se preferir!
Mas agora, deixemos de lado essa noção de hierarquia (aliás, quem pode dizer o que é maior e o que é menor em arte?). Maior deve ser aquilo que você faz por inteiro. Menor pode ser aquilo que se faz de qualquer jeito, sem compromisso, sem entrega. Maior tem sido a maneira como o contar histórias tem aberto caminho nesses novos tempos de vida tumultuadamente urbana, overdose de mídia eletrônica e pressa das linguagens vídeo-clipes. Maior será sempre essa soma pessoal e social que o contar proporciona, cada vez que uma biblioteca se abre para a hora do conto e a literatura viva como projeto e não como evento, que um professor conta histórias na sua sala de aula, sem preocupações didáticas, que os teatros ou outros espaços permitem ocupações menos espetaculares, que uma família se reúne para simplesmente trocar histórias. Prefiro pensar que o contar é arte para ver, ouvir, sentir; arte para um fazer coletivo; arte para ser. De uma coisa estou certo, contar histórias emancipa tanto quem conta, quanto quem ouve. O sujeito ouvinte, e o sujeito leitor. E isso já não basta?!"
Contar histórias pode ser uma opereta. Desde que nesse gênero cênico do conto, as partes embaladas pelo ritmo da fala se alternem com o que se narra com alma.
Contar histórias pode ser uma dança coreográfica. Desde que nesta seqüência de palavras com corpos e corpos com palavras, se esteja inteiramente comprometido com a melhor maneira – e nunca a única – de se expressar o coração da palavra. E que a fala, os movimentos, passos e gestos estejam associados à emoção, e claro, à plasticidade.
Contar histórias na verdade é a união de muitas artes: da literatura, da expressão corporal, da poesia, da musica, do teatro... Não há como ignorar esse quê de performático do contar histórias. Ainda que o foco maior seja apenas a voz e o texto, projetados no espaço, para atingir uma plateia. A utilização apenas desses dois elementos, voz e texto, por si só já bastaria para caracterizar o cênico e o dramático.
Mas a palavra merece mais do que um espetáculo. A palavra na boca de quem conta é o próprio espetáculo, se com isso extrapolar-se a noção de cartilha. Se para isso o narrar, o comunicar, o dialogar, o atingir outrem, o suspender o tempo, o emocionar, estiverem conjugados de modo a transformarem um texto em objeto duplamente estético. Estético na escrita, estético na passagem para a oralidade. Impacto estético antes, durante e depois!
As palavras contadas, então, adquirem um aspecto melódico, rítmico, visual; trazem no jeito que foram ditas, uma concretude que faz o outro ver o que se narra. As palavras contadas surgem prenhes de intenção, força, emoção. As palavras contadas querem dizer muito mais do que dizem em sua camada fônica.
Então, o que é necessário para que contar histórias seja arte ao alcance de quem deseja fazê-la? Extrapolar as amarras do didático, do exemplar e do mero informativo. Saltar da obrigação de ensinamento para a noção de fruição, de prazer estético, de embelezamento da conversa trocada através de uma história, do exercício de linguagem que procura a forma adequada para dizer-se de si mesmo.
Mas duvido que uma história bem contada não produza ecos no ouvinte! Ecos que se prolongam para além do momento do narrado.
Essas marcas, visíveis e invisíveis, nem sempre se pode perceber no calor da hora. Quem ouve uma história quer sempre ser atingido, de alguma forma, quer ser atingido. Quem conta, quer igualmente experimentar o poder da palavra (não sejamos hipócritas!), o poder do encantamento, e o poder do vice-versa: marcar e ser marcado! Estamos falando de uma arte que se faz, num momento específico, irrepetível, e de uma arte do que fica, para o depois do acabado! Contar, então, é também a arte da reverberação!
E quem é que dá esse status de arte, tão cutânea, ao contar história? A dignidade de quem conta, ao lidar com a palavra, sua ou do outro. A ética de quem conta, ao usar esse instrumento de sedução, tão aberto aos mecanismos de manipulação. Não é o carimbo da biblioteca, nem a exposição na prateleira dos livros de arte da livraria, nem o lugar fixo entre as dissertações e as teses universitárias (e nós, não temos, nem ao menos, uma crítica especializada no assunto!) que garantem o lugar de arte para o contar histórias. É o fazer, “in vivo” (que é mais que “in loco”), que é este fazer que permite quase tocar o texto com as mãos, quase roçar nos olhos do ouvinte com a história, quase apresentar as infinitas possibilidades de leitura de um texto. A arte do contar histórias opera antes com a noção de sugestão, de esboço. Nenhum contar é definitivo e pronto e acabado. Toda história contada oralmente é antes de tudo, uma obra em processo, que
precisa do outro para ser completada.
Mas não basta boa intenção para fazer arte. A arte de contar exige um fazer anterior, um preparo, um domínio prévio, um conhecimento, estudo, ensaio, profundidade. E é, evidentemente, exercício de longo prazo. A arte de contar histórias é também a arte de não fazer concessões: contar bons textos, contar tendo preparado, contar para ir além do que se conta. No mínimo, técnica e emoção. Técnica e repertório. Na ordem que se preferir!
Mas agora, deixemos de lado essa noção de hierarquia (aliás, quem pode dizer o que é maior e o que é menor em arte?). Maior deve ser aquilo que você faz por inteiro. Menor pode ser aquilo que se faz de qualquer jeito, sem compromisso, sem entrega. Maior tem sido a maneira como o contar histórias tem aberto caminho nesses novos tempos de vida tumultuadamente urbana, overdose de mídia eletrônica e pressa das linguagens vídeo-clipes. Maior será sempre essa soma pessoal e social que o contar proporciona, cada vez que uma biblioteca se abre para a hora do conto e a literatura viva como projeto e não como evento, que um professor conta histórias na sua sala de aula, sem preocupações didáticas, que os teatros ou outros espaços permitem ocupações menos espetaculares, que uma família se reúne para simplesmente trocar histórias. Prefiro pensar que o contar é arte para ver, ouvir, sentir; arte para um fazer coletivo; arte para ser. De uma coisa estou certo, contar histórias emancipa tanto quem conta, quanto quem ouve. O sujeito ouvinte, e o sujeito leitor. E isso já não basta?!"
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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