quinta-feira, 15 de abril de 2010

Artigo: "Contar histórias aproxima as pessoas" - Juliana Lopes

Contar histórias aproxima pais e filhos, professores e alunos. Desperta o lado lúdico dos ouvintes e transforma os contadores em atores.

Essa arte usada desde muito tempo por meio de lendas ou contos parece estar ainda mais presente nas escolas. Prova disso é a criação de cursos especializados para professores, como ‘O professor que conta história’, do Senac. “Ele estará disponível a partir do segundo semestre”, revela Robson Rocha, coordenador de desenvolvimento e lazer da organização.

De acordo com Elaine Gomes, docente em Contação de Histórias no Senac, curso básico inaugurado em 2003, os educadores podem adaptar contos em várias disciplinas. “Em aulas de matemática, por exemplo, os professores usam o livro ‘O homem que calculava’ (Malba Tahan) e a partir dele mostram um tabuleiro de xadrez. As peças são pedrinhas que ajudam a explicar simples operações e outros fundamentos”, explica.

Já para aulas de Geografia, a professora indica usar um globo e ir pintando as regiões conforme a explicação. Simples elementos como tecidos no chão ou detalhes na roupa mudam a rotina das aulas. Elaine cita o exemplo de uma voluntária de ONGs. Depois de criar uma saia cheia de retalhos e um ambiente simples, conseguiu pela primeira vez prender a atenção dos alunos durante toda tarefa.

Além de incentivar à leitura, quem sabe contar uma boa história também consegue despertar a imaginação, por isso tudo não deve ser apresentado ao pé da letra. Com pequenos gestos e materiais, a própria criança imagina o fato conforme a sua bagagem cultural. Suspenses, humor ou encantamento podem intrigar ou mesmo trazer à tona novas descobertas e a reflexão.

Sempre seguindo este princípio, Elaine elaborou o material do curso a partir da sua experiência em artes visuais, de fatos vivenciados quando criança - pois era uma tradição da família contar histórias ao redor do fogão à lenha - e ainda a partir do trabalho da professora Regina Machado, da Universidade de São Paulo.

Especialista em tradição oral e contadora de histórias desde 1980, a professora costuma afirmar em suas palestras que contar histórias é um ato de amor entre pais e filhos, uma forma diferente das crianças ouvirem a voz deles.

Teatro - Os contadores de histórias não atuam apenas em escolas, centros de recreação ou ONGs. Religiosos, como espíritas ou judeus, usam a criatividade para relatar os preceitos de forma mais lúdica às crianças.

Por trabalhar técnicas de dramatização, representação e voz, muitos atores usam o recurso de narrar lendas ou fábulas em vários espetáculos. Alexandre Camilo (foto) é um deles. Contos como “O Gigante Egoísta”, “O Rouxinol e a Rosa”, e “O aniversário da Infanta”, todos do escritor Oscar Wilde, servem de inspiração para espetáculos em vários projetos. Já a mitologia grega é aproveitada para ensinar e entreter crianças ou aquelas que habitam dentro da gente.

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Fonte: http://vilamulher.terra.com.br/contadores-de-historias-8-1-55-68.html

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Texto: "Contadores de histórias - Guardiões das culturas populares" - Benita Prieto

Tem um site muito bacana que recomendo como fonte de leitura para os contadores de estórias: o Roda de Histórias. Foi lá que achei esse texto:

Contadores de histórias - Guardiões das culturas populares
Benita Prieto

Falar em literatura oral no Brasil é falar de um país que muitas pessoas supõem que não mais existe. O processo de desenvolvimento fez com que várias manifestações culturais deixassem de ser entendidas como próprias do povo. Vejamos o caso do Carnaval, possivelmente a maior festa popular do mundo. Nela os foliões entregam-se aos seus desejos genuínos e primitivos sem saber que refazem, talvez atavicamente, o mesmo que fizeram todas as gerações passadas.
Especificamente com relação à literatura oral, andamos nos afastando desse rico acervo por acreditar que tudo são “causos”, lendas, superstições. Mas se temos a oportunidade de sentar ao redor de uma fogueira, toda essa ancestralidade nos penetra e logo podemos ter vontade de contar as histórias ouvidas dos nossos avós. Para completar, o quadro atual de todas as mídias no Brasil é confuso no que diz respeito a esse assunto. Muitas vezes a literatura oral é usada e não é referenciada como fonte. Claro que existe a dinâmica do folclore, mas como patrimônio que é da humanidade não pode ser aprisionado e usado em favor próprio.
Um exemplo são os programas infantis, que têm utilizado os contos populares e muitas vezes também os autorais, sem dizer de onde foram retirados ou por quem eram contados. Ainda há interferências com questionáveis conselhos em outros aspectos das culturas populares. Essa é uma maneira bastante leviana de tratar-se algo que não nos pertence individualmente.
Já tivemos bons exemplos de circulação da literatura oral como mostrava o programa Som Brasil de Rolando Boldrim, nas décadas 70 e 80, na TV Globo e o Canta Conto, de Bia Bedran, na TV Educativa do Rio de Janeiro. Também existiram ótimos programas de rádio que faziam muito sucesso entre as crianças como o Ta na hora de dormir, de Márcio Trigo, recheado de histórias de Andersen, dos Irmãos Grimm, contos populares, lendas indígenas.
Nesse momento, há uma lacuna na programação cultural das mídias a ser preenchida. E que quando bem executada dá belos frutos. É só lembrar, por exemplo, de algumas matérias feitas para o Fantástico, da TV Globo, onde já vimos muitas dessas manifestações sendo exibidas, como a cidade dos Lobisomens, a Associação de Criadores de Sacis, os pescadores que acreditam terem estado com entidades do mar. Quando essas matérias acontecem podem promover boas conversas nas indústrias, nos bancos, nas escolas, nas casas, nos bares.
A literatura oral está conectada com o passado de gerações e famílias. Nosso país tem uma miscigenação enorme e que varia de acordo com a região brasileira, pois somos a mistura de povos europeus, africanos, indígenas e asiáticos. Esse caldeirão de culturas possibilita a existência de muitas comunidades narrativas. Se tomarmos como exemplo uma favela do Rio de Janeiro sabemos que ali podemos ter histórias de várias partes do Brasil, devido à migração interna na busca de melhores condições de vida. Por isso, é fundamental fomentar nos jovens o desejo de preservar as histórias “particulares” da comunidade narrativa a que pertencem. Eles devem ser estimulados para que tragam as histórias que conhecem, para que tenham orgulho delas e passem a contá-las em todos os espaços possíveis. E aí podemos incluir a tv, o rádio, a internet, o cinema. Os jovens são sem dúvida o nosso maior investimento para a continuidade desse elo, neles devemos apostar.
Mas é preciso uma certa técnica para fazer a recolha dos contos. É importante não interferir na hora da narração, coletar o conto no local onde normalmente é contado e não acreditar na memória ou na própria escrita, gravando tudo para a futura transcrição. Existem muitos livros que mostram textos recolhidos onde em primeiro lugar está o texto tal qual foi dito pelo contador, e a seguir vem uma tradução ou versão feita pelo pesquisador. Essa é uma boa maneira de registro. Claro que o contador popular pode sofrer interferência da platéia, seguindo outros rumos na hora da narração, mas sempre haverá uma estrutura mínima respeitada por ele. Essa estrutura, juntamente com a dicção que foi preservada, será a nossa fonte de estudo e a nossa matriz.
Pena que a escola normalmente é muito preconceituosa com as manifestações populares, esquecendo a multiplicidade regional, os saberes do povo, o conhecimento tácito. Podemos incluir nesse pensamento desde a escola elementar até a universidade. A literatura oral não é valorizada ou então é reduzida ao mais simples registro possível. Imaginem se podemos dizer que o lobisomem possa representar, num país continental como o Brasil, todos os personagens do folclore que são peludos e "comem gente". É uma redução apenas para dizer que o folclore está sendo ensinado na escola e ainda num determinado mês do ano, o de agosto. Como se nos outros dias não pudéssemos usar os ensinamentos recebidos das gerações que nos precederam. O problema é um total desconhecimento da importância do tema.
É bom lembrar que existe hoje um diálogo e um trânsito permanente entre a literatura oral e a literatura escrita. Os grandes escritores do mundo bebem de suas fontes culturais e históricas, constroem releituras, alargam visões. E no Brasil tivemos alguns autores/pesquisadores que contribuíram de forma decisiva para esse diálogo. Temos várias gerações criadas com a literatura mágica e essencialmente brasileira de Monteiro Lobato, o inventor do Sítio do Picapau Amarelo. Temos também Mário de Andrade e Luís da Câmara Cascudo, cada qual a seu jeito, valorizando os saberes do povo para construir no nosso imaginário a força da narrativa. O ideal é nunca fechar as portas do coração, nunca esquecer a “aldeia” de onde viemos.
Já que não dá para fazer uma divisão entre literatura oral e literatura escrita, os contadores de histórias urbanos podem aproximar esses dois mundos, colocando a literatura escrita ao redor de uma fogueira mítica e valorizando a literatura oral dando-lhe status de saber.
Tudo o que foi descrito anteriormente só vem reforçar a importância do trabalho dos contadores de histórias para a preservação das culturas populares.
Mas, como não há no Brasil uma formação específica na arte de contar histórias, o interessado tem que ser autodidata. Precisa ler muito, fazer muitas oficinas, ver muitos contadores, descobrir o seu estilo de contar, o gênero de história que lhe dá prazer. Evitar copiar o repertório que vê, buscar novas fontes, trazer outros olhares. E principalmente usar os seus próprios recursos. Cada contador tem suas sutilezas na hora de narrar. Por isso, a mesma história pode ser contada de várias maneiras e todas serão belas desde que haja a verdade de quem conta.
Somos contadores na essência, estamos durante toda a vida construindo histórias. A narrativa faz parte do dia a dia. Um olhar para dentro pode ser o estopim dessa arte em cada um de nós.
O mais importante é entender que a literatura, seja oral ou escrita, é para ser brincada, dividida, compartilhada. Sejamos, portanto, solidários na vida e nos contos. De mãos dadas, vamos atravessar o caminho onde nossas histórias se cruzam, se completam, se constroem.

*Idealizadora e produtora do Simpósio Internacional de Contadores de Histórias.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Artigo: "Medo do medo" - Lya Luft

Passei a semana nos preparativos para o batismo de minha filha Victoria, ao mesmo tempo que lia o belíssimo conto de Tristão e Isolda, na versão publicada pela Martins Claret, e preparava um texto sobre a importância do resgate das cantigas de roda e demais cantigas do nosso folclore, quando me deparei com um texto, um artigo da escritora Lya Luft, sobre as alterações que estão querendo - pais e educadores - fazer nos contos de fadas e nas cantigas de roda para torná-los "politicamente corretos". Inclusive eu mesma já não canto a tradicional "Atirei o pau no gato". Substitui-a por "Não atire o pau no gato", para não incentivar crianças a maltratar os bichos. Mas será que elas mesmas - se devidamente educadas - já não teriam o discernimento de entender que cantigas são só para divertir e entreter? Aceito opiniões...
Bem, segue o texto, como publicado na Revista Veja - Edição 2158, de 31 de março de 2010:
Medo do medo
Lya Luft

"Querendo ser politicamente corretos, estamos cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico"

Tenho observado alguns esforços psicopedagógicos no sentido de tornar nossas crianças politicamente corretas - postura que muitas vezes nos transforma em seres tediosos, sem graça nem fervor. Contos de fadas, por exemplo, alimento da minha alma de criança, raiz de quase toda a minha obra adulta, sobretudo romances e contos, foram originalmente - dizem estudiosos - narrativas populares, orais, de povos muito antigos. Assim eles representavam e tentavam controlar seus medos e dúvidas, carentes das quase excessivas informações científicas de que hoje dispomos. Nascimento e morte, sexo, sol e lua, raios e trovões, o brotar das colheitas lhes pareciam misteriosos, portanto fascinantes.

Muito mais recentemente, escritores como Andersen e os irmãos Grimm adaptaram tais relatos ao mundo infantil e criaram suas maravilhosas histórias, que unem, como a vida real, o belo e o sinistro. Uma sereia quer pernas para namorar seu príncipe na praia, mas o sacrifício é terrível, a cada passo de suas novas pernas, dores inimagináveis a dilaceram. Uma princesa, sua família, séquito e criados do castelo dormem um sono profundo, maldição de uma fada má, e só serão libertados pelo príncipe salvador - que, é claro, sempre aparece. Branca de Neve, Rapunzel e dezenas de outros personagens alimentaram nossa fantasia e continuam a alimentar a das crianças que têm sorte, cujos pais e escolas lhes proporcionam contato cotidiano com esses livros.

Porém, faz algum tempo, há um movimento para reformular tais relatos, tirando-lhes sua essência, isto é, o misterioso e até o assustador. Lobos seriam bobalhões e vovozinhas umas pândegas, só existiriam fadas boas, e as bruxas, ah, essas passam a ser velhotas azaradas. Até cantigas de roda seculares tendem a ser distorcidas, pois atirar um pau num gato é uma crueldade, como se fosse preciso explicar isso para as crianças saberem que animais a gente ama e cuida - se é assim que se faz em casa.

Vejo em tudo isso um engano e um atraso. Impedindo nossas crianças do natural contato com essas antiquíssimas histórias, que retratam as possibilidades boas e negativas do mundo, nós as deixamos despreparadas para a vida, cujos perigos entram hoje em seus quartos, rondam escolas e clubes, esperam na esquina com um revólver na mão de um drogado, ou de um psicopata lúcido e frio, sem falar nos insidiosos pedófilos na internet.

Estamos emburrecendo nossas crianças e jovens, mesmo querendo seu bem? E, afinal, o que será o seu bem? Ignorar o que existe de sombrio e mau, caminhar feito João e Maria alegrinhos, não abandonados pelos pais, mas procurando borboletas no mato? Receio que a gente esteja cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico com arquétipos humanos essenciais.

Em compensação, adolescentes e crianças procuram o encanto do misterioso lendo sobre vampiros, bruxos e avatares, vendo seus filmes e pesquisando na internet. Por que isso? - me perguntou recentemente um pai. Porque, neste momento de altíssima tecnologia, a alma humana busca a expectativa, o segredo e o susto. Precisa conhecer o mal para se acautelar e se proteger, o belo e o bom para crescer com esperança. Mas nós, pedagogos e pais, nem sempre seguros e informados, começamos a querer alisar excessivamente a estrada para eles, não lhes ensinando que o mal existe, assim como o bem, que o belo nos atrai, assim como o monstruoso, e que é preciso desenvolver discernimento (gosto dessa palavra), isto é, a capacidade de entender e distinguir o melhor do pior, a fim de fazer com mais clareza e segurança as inevitáveis escolhas.

Mas se, porque isso nos tranquiliza, tratamos as crianças como imbecis, e queremos nosso adolescente infantilizado por um longo tempo, exigindo-o cada vez menos em casa, na escola e nas universidades - embora deixando que se sexualize de forma precoce e criminosa -, vai ser difícil que tenham informação, capacidade de julgar e escolher, que seriam nosso maior e melhor legado para elas.

Lya Luft é escritora

Ouça a estória "O galo rouco e o rato esperto", da Cigana Contadora de Estórias!

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