sexta-feira, 8 de maio de 2009

Como virei contadora de estórias - Parte II

Continuando...
Depois de me apaixonar pelo Recife e suas histórias, descobrir os sebos e seus tesouros - e, com eles, livros belíssimos como a coleção do Malba Tahan, encontrei a coleção Tesouro da Juventude, na casa de um grande amigo, Klaus Mock, em S.Paulo. Aliás, agradeço muito a ele pelo incentivo que me deu para desenvolver meu projeto do site de contos de fadas.

O Tesouro da Juventude tem 18 volumes e é uma preciosidade para orientar, educar e divertir a garotada. Editada no final da década de 50, se não me engano, a coleção traz contos, lendas e fábulas muito interessantes, muitas não tão conhecidas como as de Perrault, Andersen ou dos Grimm.

Muitas das estórias que divulguei no meu site - Contos de Fadas - foram adaptadas das que eu li nessa coleção.

Continuei com o trabalho no site, recolhendo, pesquisando, traduzindo e adaptando contos de todo o mundo, estudando sobre a arte dos contadores de estórias. Vi "As mil e uma noites", filme produzido pelo canal Hallmark em 1999, e me encantei com a Sheherazade. Quem não sabe que foi por sua arte de entreter o sultão Shariar que ela salvou sua própria vida?

Ok, vou contar aqui essa história, com apoio do site História das Mulheres através da Arte:
SHEHERAZADE - Lenda árabe

Sheherazade, a heroína de "As mil e uma noites", foi uma das maiores contadoras de estórias do mundo. Embora uma personagem legendária - vale lembrar que todas a lendas são baseadas em fatos -, Sheherazade, uma mulher de inteligência excepcional, sabedoria e bravura, salvou não só sua própria vida, mas a de milhares de donzelas do seu país, um reinado na antiga Arábia, contando uma série de contos enfeitiçadores, que acabaram por educar e transformar um rei.

Shariar, legendário rei da Samarkand, descobriu que estava sendo enganado por sua mulher e, como punição, mandou matá-la e a mais uma sucessão de 3 mil virgens - uma por noite. Tudo por não confiar mais nas mulheres.

Contra a vontade do seu pai, vizir (espécie de primeiro-ministro) de Shariar, Sheherazade se ofereceu para passar uma noite com o rei. Uma vez nos aposentos reais, ela perguntou se poderia se despedir de sua amada irmã Dunyazade. O rei concordou. Ora, Sheherazade e a irmã tinham combinado um estratagema. Dunyazade iria lhe pedir para contar uma estória para ajudar a passar a longa noite. A estória era tão interessante que o rei não conseguiu despregar os olhos e nem os ouvidos de Sheherazade, e acabou passando a noite acordado, escutando assombrado a narrativa da bela e esperta mulher.
Ao ver que a aurora já estava chegando, Sheherazade interrompeu sua estória, dizendo que não teria mais tempo, o carrasco já a esperava para sua execução. O rei pediu que ela contasse só mais um pouquinho, no entanto Sheherazade foi irredutível. Infelizmente, o tempo acabou. O que era uma pena, pois a próxima estória era ainda mais interessante... Então, o rei decidiu manter Sheherazade viva enquanto ele antecipava, com avidez, o momento de ouvir a nova estória.

E assim Sheherazade foi enrolando o rei, contando uma estória que nunca se acabava, pois o enredo de uma conduzia ao da outra. Ao final de mil e uma noites de contos de aventuras, o rei não só tinha sido se divertido com as estórias, mas, principalmente, foi transformado num homem melhor, sabiamente educado em moral e bondade, por Sheherazade, que se tornou sua rainha.

***

Depois de ver esse filme, fiquei com a ideia na cabeça. Já gostava muito da cultura árabe, da música, da vestimenta das suas dançarinas. Simpatizava também com os ciganos, povo de quem tenho a alma e algumas gotas de sangue, ainda que longínquo. Juntei uma coisa na outra e acabei virando a Cigana Contadora de Estórias!

A minha estreia foi em Caruaru, em 2001. Minha amiga Yone Amorim, uma daquelas pessoas que gostam de movimentar a cidade, de trabalhar com o povo, aliando cultura, arte e atenção social, perguntou um dia:

- Gabi, você topa contar estórias numa creche? Estou pensando em colocar aí um projeto de incentivo à leitura...

Ela trabalhava na Secretaria de Ação Social e eu na de Imprensa, na Prefeitura de Caruaru.

Topei sim, meio com medo de fazer feio, de me sair mal, das crianças não gostarem. Mil medos, mas já sentindo aquele friozinho na barriga.

A visita à creche foi marcada. Passei o dia me preparando, num nervoso que fazia dó. Não tinha ainda meu traje de cigana, só um de Branca de Neve. Fui com esse mesmo. A estorinha escolhida, lógico, foi a da própria.

Cheguei na creche - aliás, Centro Municipal de Educação Infantil Justina de Freitas - muito tímida, ainda mais com o olhar curioso dos professores. Na época, não se falava de contador de estórias em Caruaru. As bibliotecárias das escolas é que costumavam ler livros para os alunos, mas ler não é contar.
Fiquei aguardando na sala da diretoria, enquanto a meninada era acomodada na biblioteca da creche. Ainda nervosa, fui repassando a estória que tinha me programado para contar. A diretora veio me buscar, toda amável, creio que feliz por ter algo bacana para apresentar para a sua criançada, todas de famílias carentes.

Entrei na biblioteca, as crianças já me esperando, alguns professores sentados. Os olhares me escaneavam de alto a baixo. Tentei sentir-me segura, dona da situação. Acho que a fantasia me ajudou um pouco, me senti encantada. O feitiço da personagem atraía os olhares curiosos das crianças. Eram cerca de vinte.
Sentei no chão e elas se sentaram à minha frente, formando um semicírculo. Comecei com o tradicional "Era uma vez..." e contei a estória da bela princesinha, detestada pela madrasta malvada, que foge para o bosque, é "adotada" pelos sete anões, etc etc.
As crianças adoraram e pediram mais. Ixi, e agora? Eu não tinha a mínima ideia de como era uma sessão de estórias e só tinha ensaiado uma. Remexi a memória e puxei a dos 3 Porquinhos. A parte em que o lobo puxa ar dos pulmões e sopra com toda a força, fiz como ele, puxei ar dos meus pulmões e soprei com toda a minha força.

A meninada ouvia a estória mesmerizada, seguindo todos os meus movimentos e até imitando o que eu fazia nesse trecho da estória. Foi um sucesso! Aí eu já estava relaxada, certa da minha arte, preparada para contar mais. Pena que o tempo foi curto e os professores tiveram que levar os meninos de volta para a sala.

Mas foi um dia tão feliz, esse meu primeiro como contadora de estórias de VERDADE!
Eu agradeço muito a Yone (as fotos foram tiradas por ela), pela iniciativa de me levar para a creche pois foi nesse dia, depois desse abraço gostoso da criançada, que nasci mesmo para essa arte encantada dos contos.
Depois desse dia, vieram muitos outros. O projeto "Incentivo à leitura através da arte, da poesia e das estórias" foi aprovado pelo prefeito da época - Tony Gel - e visitamos, entre 2001 e 2008, muitas outras creches, escolas e até hospitais e policlínicas.
Mas essa é uma estória para contar outro dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Conto: "O semeador de tâmaras"

Esta versão vem do livro El saber es más que la riqueza, de  Silvia Dubovoy O semeador de tâmaras Em um oásis perdido no deserto, o velho El...