domingo, 26 de fevereiro de 2017

Conto: "A cidade dos poços" - Jorge Bucay

"Esta história representa para mim o símbolo da corrente que une as pessoas através da sabedoria dos contos. Contou-ma uma paciente que a tinha ouvido, por sua vez, da boca de um ser maravilhoso, o padre crioulo Mamerto Menapace. Assim como a reproduzo agora, ofereci-a uma noite a Marce e a Paula."

Aquela cidade não era habitada por pessoas, como todas as outras cidades do planeta.
Aquela cidade era habitada por poços. Poços vivos… mas afinal poços.
Os poços distinguiam-se entre si não somente pelo lugar onde estavam escavados, mas também pelo parapeito (a abertura que os ligava ao exterior).
Havia poços ricos e ostensivos com parapeitos de mármore e metais preciosos; poços humildes de tijolo e madeira, e outros mais pobres, simples buracos rasos que se abriam na terra.
A comunicação entre os habitantes da cidade fazia-se de parapeito em parapeito, e as notícias corriam rapidamente de ponta a ponta do povoado.
Um dia, chegou à cidade uma «moda» que certamente tinha nascido nalgum pequeno povoado humano.
A nova ideia assinalava que qualquer ser vivo que se prezasse deveria cuidar muito mais do interior do que do exterior. O importante não era o superficial, mas o conteúdo.
Foi assim que os poços começaram a encher-se de coisas.
Alguns enchiam-se de jóias, moedas de ouro e pedras preciosas. Outros, mais práticos, encheram-se de electrodomésticos e aparelhos mecânicos. Outros ainda optaram pela arte, e foram-se enchendo de pinturas, pianos de cauda e sofisticadas esculturas pós-modernas. Finalmente, os intelectuais encheram-se de livros, de manifestos ideológicos e de revistas especializadas.
O tempo passou.
A maioria dos poços encheu-se a tal ponto que já não podia conter mais nada.
Os poços não eram todos iguais, por isso, embora alguns se tenham conformado, outros pensaram no que teriam de fazer para continuar a meter coisas no seu interior…
Um deles foi o primeiro. Em vez de apertar o conteúdo, lembrou-se de aumentar a sua capacidade alargando-se.
Não passou muito tempo até que a ideia começasse a ser imitada. Todos os poços utilizavam grande parte das suas energias a alargar-se para criarem mais espaço no seu interior. Um poço, pequeno e afastado do centro da cidade, começou a ver os seus colegas que se alargavam desmedidamente. Ele pensou que se continuassem a alargar-se daquela maneira, dentro em pouco confundir-se-iam os parapeitos dos vários poços e cada um perderia a sua identidade…
Talvez a partir dessa ideia, ocorreu-lhe que outra maneira de aumentar a sua capacidade seria crescer, mas não em largura, antes em profundidade. Fazer-se mais fundo em vez de mais largo. Depressa se deu conta de que tudo o que tinha dentro dele lhe impedia a tarefa de aprofundar. Se quisesse ser mais profundo, seria necessário esvaziar-se de todo o conteúdo…
A princípio teve medo do vazio. Mas, quando viu que não havia outra possibilidade, depressa meteu mãos à obra.
Vazio de posses, o poço começou a tornar-se profundo, enquanto os outros se apoderavam das coisas das quais ele se tinha despojado…
Um dia, algo surpreendeu o poço que crescia para dentro. Dentro, muito no interior e muito no fundo… encontrou água!
Nunca antes nenhum outro poço tinha encontrado água.
O poço venceu a sua surpresa e começou a brincar com a água do fundo, humedecendo as suas paredes, salpicando o seu parapeito e, por último, atirando a água para fora.
A cidade nunca tinha sido regada a não ser pela chuva, que na verdade era bastante escassa. Por isso, a terra que estava à volta do poço, revitalizada pela água, começou a despertar.
As sementes das suas entranhas brotaram em forma de erva, de trevos, de flores e de hastezinhas delicadas que depois se transformaram em árvores…
A vida explodiu em cores à volta do poço afastado, ao qual começaram a chamar «o Vergel».
Todos lhe perguntavam como tinha conseguido aquele milagre.
— Não é nenhum milagre — respondeu o Vergel. — Deve procurar-se no interior, até ao fundo.
Muitos quiseram seguir o exemplo do Vergel, mas aborreceram-se da ideia quando se deram conta de que para serem mais profundos, se tinham de esvaziar. Continuaram a encher-se cada vez mais de coisas…
No outro extremo da cidade, outro poço decidiu correr também o risco de se esvaziar…
E também começou a escavar…
E também chegou à água…
E também salpicou até ao exterior criando um segundo oásis verde no povoado…
— Que vais fazer quando a água acabar? — perguntavam-lhe.
— Não sei o que se passará — respondia ele. — Mas, por agora, quanto mais água tiro, mais água há.
Passaram-se uns meses antes da grande descoberta.
Um dia, quase por acaso, os dois poços deram-se conta de que a água que tinham encontrado no fundo de si próprios era a mesma…
Que o mesmo rio subterrâneo que passava por um inundava a profundidade do outro.
Deram-se conta de que se abria para eles uma vida nova.
Não somente podiam comunicar um com o outro de parapeito em parapeito, superficialmente, como todos os outros, mas a busca também os tinha feito descobrir um novo e secreto ponto de contacto.
Tinham descoberto a comunicação profunda que somente conseguem aqueles que têm a coragem de se esvaziar de conteúdos e procurar no fundo do seu ser o que têm para dar…
Jorge Bucay Contos para pensar - Cascais, Editora Pergaminho, 2004

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Estórias da Cigana também vão estar no Colégio Interativo

As estórias da Cigana Contadora de Estórias, reunidas pela escritora carioca Gabriela Kopinits no livro "Era uma vez...", da Cepe Editora, com ilustrações de Rivaldo Barboza, agora vão fazer parte do cotidiano do Colégio Interativo de Caruaru. A obra, indicada ao Prêmio Jabuti 2015, e apresentada em diversos festivais literários em Pernambuco, será paradidática este ano para as turmas da segunda série do Ensino Fundamental. "É com grande alegria que nós, do Colégio Interativo, adotamos o livro da nossa parceira contadora de estórias, Gabi Kopinits. As suas estórias já encantaram os nossos alunos muitas vezes, quando recebemos a visita da Cigana em nossa escola. Desta vez, resolvemos cativar famílias inteiras com essa leitura tão gostosa", afirmou Katianne Melo, diretora pedagógica do educandário. 

A professora Rosane Magalhães também já conhecia a obra que, este ano, estará na sua programação didática na escola. "Trabalhei com o livro e achei maravilhoso, por tratar-se de um paradidático com várias estórias, cada uma mais interessante que a outra, que deixava as crianças fascinadas, incentivando-as a dar asas à sua imaginação", externou Rosane. Outro que já conhecia o livro e a autora foi o aluno Lucas Vargas, de 7 anos, que está começando a 2ª série. "A minha estória preferida é a dos rabos trocados", disse ele, referindo-se a "O misterioso caso dos rabos trocados", que a Cigana já havia contado na escola.

Para a contadora de estórias, ter o livro adotado como paradidático é um dos maiores reconhecimentos do trabalho de um escritor. "Fiquei muito feliz com mais essa parceria, de ter mais uma escola trabalhando com os meus textos. É muito bom ver essa valorização do autor que está aqui perto, com quem as crianças podem trocar uma ideia, que podem ouvir suas estórias", comentou Gabriela.

O livro da Cigana Contadora de Estórias está à venda na secretaria da escola. Para quem não é aluno do Interativo, ele pode ser adquirido na Livraria Estudantil, na loja virtual da Cepe Editora, no site da Amazon Brasil ou na rede de livrarias Cultura.

Guanabara Comunicação
Foto: Victor Vargas

Ouça a estória "O galo rouco e o rato esperto", da Cigana Contadora de Estórias!

Apresentações de contadores de estórias

Palavra Cantada - O rato
Clara Haddad - O coelho e o baobá

Cia Ópera na Mala - A sopa de pedras do Pedro

Cia Ópera na Mala - Pedro Malazartes e o pássaro raro

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