sábado, 26 de dezembro de 2020

Conto: "O quarto Rei Mago" - Henry van Dyke

 O Quarto Rei Mago

Henry van Dyke


Vocês sabem a história dos três reis magos que viajaram do Oriente para Belém para adorar a Jesus e lhe ofertar as dádivas de ouro, incenso e mirra.

Vou lhes contar a história do quarto rei mago que também viu a estrela e resolveu segui-la e do seu grande desejo de adorar o Rei Menino e lhe oferecer os seus presentes.

Ele morava nas montanhas da Pérsia e o seu nome era Artaban. Era um médico, alto, moreno, de olhos bem escuros: a fisionomia de um sonhador, a mente de um sábio. Um homem de coração manso e espírito indominável.

Era um homem de posses. A sua moradia era rodeada de jardins bem tratados com árvores de frutas e flores exóticas. Suas vestes eram de seda fina e o seu manto da mais pura lã. Era seguidor de Zoroastro e numa noite se reuniu em conselho com nove membros da mesma seita. Eram todos sábios!

Artaban lhes falou sobre a nova estrela que vira e o seu desejo de segui-la. Disse-lhes:

“- Como seguidores de Zoroastro aprendemos que os homens vão ver nos céus, em tempo apontado pelo Eterno, a luz de uma nova estrela e nesse dia, nascerá um grande profeta e Ele dará aos homens a vida eterna, incorruptível e imortal, e os mortos viverão outra vez! Ele será o Messias, o Rei de Israel.

E continuou:

“- Os meus três amigos Gaspar, Melchior, Baltazar e eu, vimos a grande luz brilhante de uma nova estrela há vários dias e vamos sair juntos para Jerusalém para ver e adorar o Prometido, o Rei de Israel. Vendi a minha casa e tudo o que possuo e comprei estas joias: uma safira, um rubi e uma pérola para oferecer como tributo ao Rei. Convido-os para virem comigo nesta peregrinação para juntos adorarmos o rei!”

Mas um véu de dúvida cobriu as faces de seus amigos:

“- Artaban! Isso é um sonho em vão. Nenhum rei vai nascer de Israel! Quem acredita nisso é um sonhador!”

E um a um, todos o deixaram.

“- Adeus, amigo!”

Artaban, pesquisando os céus, viu de novo a estrela.

“- É o sinal!” Disse ele. “- O Rei vai chegar e eu vou encontrá-lo.”

Artaban preparou o seu melhor cavalo, chamado Vasda, e de madrugada saiu às pressas, pois, para se encontrar, no dia marcado, com Gaspar, Melchior e Baltazar, que já estavam a caminho, ele precisava cavalgar noite e dia. Já estava escurecendo e ainda faltavam mais ou menos três horas de viagem para chegar ao local de encontro e ele precisava estar lá antes de meia-noite ou os três magos não poderiam demorar mais à sua espera!

“- Mas, o que é isto?”

Na estrada, perto de umas palmeiras, o seu cavalo Vasda, pressentindo alguma coisa desconhecida, parou resfolegando, junto a um objeto escuro perto da última palmeira.

Artaban desmontou. A luz das estrelas revelou a forma de um homem caído na estrada. Um pobre hebreu entre os muitos que moravam por perto. A sua pele estava seca e amarela e o frio da morte já o envolvia. Artaban, depois de examiná-lo, deu-o por morto e voltou-se com um coração triste pois nada podia fazer pelo pobre homem.

“- Mas o que foi isto?” - perguntou-se ele, surpreso ao ouvir um murmúrio quase inaudível vindo do homem que julgava morto. Ao que parecia, o hebreu ainda vivia!

“- Que devo fazer? Se me demorar, os meus amigos procederão sem mim. Preciso seguir a estrela! Não posso perder a oportunidade de ver o Príncipe da Paz só para parar e dar um pouco de água a um pobre hebreu nas garras da morte!”

“- Deus da Verdade e da Pureza, dirige-me no teu caminho santo, o caminho da sabedoria que só tu conheces!”

E Artaban carregou o hebreu para a sombra de uma palmeira e tratou-o por muitos dias até que ele se recuperou.

“- Quem és tu?” perguntou ele ao mago.

“- Sou Artaban e vou a Jerusalém à procura daquele que vai nascer: O Príncipe da Paz e Salvador de todos os homens. Não posso me demorar mais, mas aqui está o restante do que tenho: pão, vinho, e ervas curativas.”

O hebreu erguendo as mãos aos céus lhe disse:

“- Que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó o abençoe; nada tenho para lhe pagar, mas ouça-me: Os nossos profetas dizem que o Messias deve nascer, não em Jerusalém mas em Belém de Judá.”

Assim, já era muito mais de meia-noite e vários dias mais tarde quando Artaban montou de novo o seu cavalo Vasda e num galope rápido prosseguiu ao encontro de seus amigos.

Aos primeiros raios do sol, checou ao lugar do encontro. Mas… onde estavam os três magos? Artaban desmontou e ansioso, estudou todo o horizonte. Nem sinal da caravana de camelos dos seus amigos! Então entre uma pilha de pedras achou um pergaminho e a mensagem:

“- Não pudemos esperar mais, vamos ao encontro do Rei de Israel. Siga-nos através do deserto.”

Artaban sentou-se e cobriu a cabeça em desespero!

“- Como posso atravessar o deserto sem ter o que comer e com um cavalo cansado? Tenho mesmo que regressar à Babilônia, vender a minha safira e comprar camelos e provisões para a viagem. Só Deus, o misericordioso, sabe se vou encontrar o Rei de Israel ou não, porque me demorei tanto ao mostrar caridade,”

Artaban continuou a via pelo deserto e finalmente chegou em Belém, levando o seu rubi e a sua pérola para oferecer ao Rei. Mas as ruas da pequena vila. pareciam desertas. Pela porta aberta de uma casinha pobre, Artaban ouviu a voz de uma mulher cantando suavemente. Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu bebé.

Três dias passados Ela lhe falou sobre os três magos que estiveram na vila a que disseram terem sido guiados por uma estrela ao lugar onde José de Nazaré, sua esposa Maria, e o seu bebê Jesus estavam hospedados. Eles trouxeram prendas de ouro, incenso e mirra para o menino. Depois, desapareceram tão rapidamente quanto apareceram. E a família de Nazaré também saiu à noite, em segredo, talvez para o Egito.

O bebê nos seus braços olhou para o rosto de Artaban e sorriu estendendo os bracinhos para ele.

“Não poderia essa criança ser o Príncipe Prometido? Mas não! Aquele que procuro já não está aqui e eu preciso encontrá-lo no Egito!”

A jovem mãe colocou o bebê no leito e preparou um almoço para o estranho hóspede que veio à sua casa. Subitamente, ouviu-se uma grande comoção nas ruas: gritos de dor, o chorar de mulheres, tocar de trombetas e o clamor:

“- Soldados! Os soldados de Herodes estão matando as nossas crianças!”

A jovem mãe, branca de terror, escondeu-se no canto mais escuro da casa, cobrindo o filho com o seu manto para que ele não acordasse e chorasse.

Mas Artaban colocou-se em frente à porta da casa impedindo a entrada dos soldados. Um capitão aproximou-se para afastá-lo. A face de Artaban estava calma como se estivesse observando as estrelas. Fitou o soldado um instante e lhe disse:

“- Estou sozinho aqui, esperando para dar esta joia ao prudente capitão que vai me deixar em paz.”

E mostrou o rubi brilhando na palma da sua mão como uma grande gota de sangue.

Os olhos do capitão brilharam com o desejo de possuir tal joia!

“- Marchem, avante!”, gritou aos seus soldados. “- Não há criança aqui!”

E Artaban, olhando os céus, orou:

“- Deus da Verdade, perdoa o meu pecado! Eu disse uma coisa que não era para salvar uma criança. E duas das minhas dádivas já se foram. Dei aos homens o que havia reservado para Deus. Poderei ainda ser digno de ver a face do Rei?”

E Artaban prosseguiu na sua procura entre as pirâmides do Egito, em Heliopólis, na nova Babilônia às margens do Nilo… Numa humilde casa em Alexandria, Artaban procurou o conselho de um velho rabi, que lhe falou das profecias e do sofrimento do Messias prometido e receitado pelos homens.

“- E lembre-se, meu filho: o Rei que procuras não o vais encontrar num palácio ou entre os ricos e poderosos. Isto eu sei: os que O procuram devem fazê-lo entre os pobres e os humildes, os que sofrem e são oprimidos.”

E Artaban passou por lugares onde a fome era grande. Fez a sua morada em cidades onde os doentes morriam na miséria. Visitou os oprimidos nas prisões subterrâneas, os escravos nos mercados de escravos…

Em toda a população de um mundo cheio de angústia ele não achou ninguém para adorar, mas muitos para ajudar! Ele alimentou os que tinham fome, cuidou dos doentes, e confortou os prisioneiros… E os anos passaram… 33 anos.

E os cabelos de Artaban já não eram pretos, eram brancos como a neve nas montanhas. Velho, cansado e pronto para morrer era ainda um peregrino à procura do Rei de Israel e, agora em Jerusalém, onde havia estado muitas vezes na esperança de achar a família de Belém.

Os filhos de Israel estavam agora na cidade santa para a festa da Páscoa do Senhor e havia uma agitação e excitamento singular. Vendo um grupo de pessoas da sua terra, Artaban lhes perguntou o que se passava e para onde o povo se dirigia.

“- Para o Gólgota!” lhe responderam, “- …pois não ouviste? Dois ladrões vão ser crucificados e com eles, um homem chamado Jesus de Nazaré que, dizem, fez coisas maravilhosas entre o povo. Mas os sacerdotes exigiram a Sua morte, porque disse ser o Filho de Deus. Pilatos O condenou a ser crucificado porque disseram ser Ele o Rei dos Judeus.”

“Os caminhos de Deus são mais estranhos do que o pensamento dos homens,” pensou Artaban. “Agora é o tempo de oferecer a minha pérola para livrar da morte o meu Rei!”

Ao seguir a multidão em direção ao portal de Damasco, um grupo de soldados apareceu arrastando uma jovem rapariga com vestes rasgadas e o rosto cheio de terror.

Ao ver o mago, a jovem reconheceu-o como da sua própria terra e libertando-se dos guardas atirou-se aos pés de Artaban:

“- Tenha piedade!…”, ela implorou,…”e pelo Deus da pureza, salva-me! Meu pai era mercador na Pérsia, mas faleceu e agora vão me vender como escrava para pagar seus débitos! Salva-me!”

Artaban tremeu. Era o velho conflito da sua alma entre a fé, a esperança e o impulso do amor. Duas vezes as dádivas consagradas foram dadas para a humanidade. E agora? Uma coisa ele sabia:

“- Salvar essa jovem indefesa era um gesto de amor. E não é o amor a luz da alma?”

Ele tirou a pérola de junto ao seu coração. Nunca ela pareceu tão luminosa! Colocou-a na mão da moça:

“- Este é o teu pagamento, o último dos tesouros que guardei para o Rei!”

Enquanto ele falava, uma escuridão profunda envolveu a terra que tremeu convulsivamente! Casas caíram, os soldados fugiram, mas Artaban e a moça protegeram-se debaixo do telhado sobre as muralhas do Pretório.

“- O que tenho a temer,” pensou ele,” …e para quê viver? Não há mais esperança de encontrar o Rei, a procura terminou, eu falhei.”

Mas mesmo esse pensamento lhe trouxe paz, pois sabia que viveu de dia a dia da melhor maneira que soube. Se tivesse que viver de novo, a sua vida não poderia ser de outra maneira.

Mais um tremor de terra e uma telha desprendeu-se do telhado e feriu o velho mago na cabeça. Repousou no chão e deitou a cabeça nos ombros da jovem com o sangue a escorrer do ferimento.

Ao debruçar-se sobre ele, ela ouviu uma voz suave, como música vindo da distância. Os lábios de Artaban moveram-se como em resposta e ela escutou o que o velho mago disse na sua própria língua:

“- Não, meu Senhor! Quando te vi com fome e te dei de comer? ou com sede e te dei de beber? ou quando te vi enfermo ou na prisão e fui te ver?

Por 33 anos eu te procurei, mas nunca vi a tua face, nem te servi, meu Rei!”

E uma voz suave veio, mas desta vez dos céus. A jovem também compreendeu as palavras.

“- Em verdade, em verdade vos digo que quando o fizeste a um destes meus irmãos a mim o fizeste!”

Uma alegria radiante iluminou a face calma de Artaban.

Um suspiro longo e aliviado saiu de seus lábios.

A viagem para ele havia terminado.

O quarto mago, Artaban, compreendeu que havia encontrado o seu Rei por quem havia procurado durante toda a sua vida!

Fonte: Diocese de Aveiro

sábado, 21 de novembro de 2020

Conto: "Uma menininha em um livro" - Maud Stawell

CHRISTABEL era uma garotinha que lia muitos livros. Ela percebeu que as meninas e os meninos nos livros não eram exatamente como as meninas e meninos que brincavam com ela na Praça e vinham tomar chá com ela. 

As crianças nos livros eram maravilhosamente corajosas e inteligentes e, quando estavam tendo suas aventuras magníficas, sempre faziam exatamente a coisa certa no momento certo. Eles nunca tiveram um minuto de tédio e nunca disseram nada bobo. 

As meninas e meninos que vinham para o chá com Christabel não eram assim, e Christabel sabia que ela mesma não era assim. Ela nunca havia tido nenhuma aventura e sabia que, mesmo que tivesse tido, não se comportaria de forma corajosa ou inteligente. E ela costumava ser tão monótona que tamborilava com os dedos na janela e dizia:

"O que eu devo fazer?"

Agora, Christabel tinha uma irmã mais velha que escrevia livros.

Um dia ela disse a sua irmã mais velha -

“Como eu gostaria de ser uma garotinha em um livro! Nada nunca acontece com as meninas na vida real. É tão chato! ”

A irmã mais velha continuou escrevendo e não disse nada.

“Não adianta falar com ela”, pensou Christabel, “porque ela sempre continua escrevendo”.

Poucos dias depois disso, Christabel começou a se sentir estranha. Uma espécie de rigidez tomou todos os seus membros, de modo que não faziam o que ela mandava. E às vezes ela se pegava dizendo coisas que não tinha a intenção de dizer. 

Isso a intrigou e a deixou muito desconfortável. Ela se perguntou se outras pessoas perceberam que havia algo errado com ela. Ela até pensou em falar com sua irmã mais velha sobre isso, mas a irmã mais velha estava tão ocupada escrevendo que não adiantava tentar fazê-la ouvir.

Isso continuou por algum tempo. Christabel foi ficando cada vez mais rígida e cada vez mais desconfortável, e sua irmã mais velha continuou ocupada, escrevendo.

Por fim, um dia, Christabel entendeu o que havia acontecido. Ela acordou e descobriu que tudo ao seu redor havia mudado; as pessoas e o lugar e tudo mais. Ela ficou assustada no início, e então a verdade de repente surgiu em sua mente. A coisa mais notável, incomum e inesperada aconteceu: sua irmã mais velha a tinha colocado em um livro!

“Então eu realmente sou uma garotinha em um livro, afinal!” ela disse para si mesma.

Ela tentou dizer em voz alta, mas descobriu que não conseguia. As palavras não estavam no livro, você sabe.

“Agora vou me divertir”, pensou ela, “e nunca mais ser enfadonha”.

Não havia muita chance de ser enfadonha, pois o livro estava cheio de aventuras, escapadas por um triz e outras coisas deliciosas.

Primeiro ela foi capturada por piratas; e depois de passar um tempo terrível com eles, ela foi salva deles por um naufrágio. Todavia, o naufrágio não lhe fez muito bem, pois ela caiu imediatamente nas mãos dos mais terríveis selvagens. Portanto, você compreenderá que provavelmente não haveria nenhuma chance dela ficar entediada.

Christabel ficou encantada ao descobrir que se comportava, como as outras garotinhas dos livros, com a maior coragem e inteligência. Sempre que uma aventura estava acontecendo, ela sempre conseguia escapar de todas as dificuldades e salvou a vida de várias das outras pessoas do livro com sua bravura. O estranho é que ela achava muito fácil ser corajosa; quando ela era uma garotinha na vida real, ela não achava nada fácil.

“Então eu realmente sou uma garotinha em um livro, afinal!” ela disse a si mesma. "

“Espero que o livro tenha um final feliz”, ela pensava às vezes.

Ela gostaria muito de poder dar uma espiada no final do livro, como costumava fazer quando era uma garotinha na vida real. Enquanto isso, cada capítulo era mais emocionante do que o anterior. Claro que Christabel não sabia se ela escaparia dos selvagens. Talvez eles fossem comê-la. Isso não seria um final feliz para o livro, ela pensou.

Depois de muitos perigos terríveis, ela conseguiu escapar; pois um navio entrou na baía no momento certo e o levou para a Inglaterra. Este foi o fim do livro. A pessoa que o estava lendo fechou-o com um estrondo - e Christabel foi dormir.

Pouco tempo depois, outra pessoa pegou o livro e começou a lê-lo. Então Christabel acordou e se viu no início da história. Depois de tantas aventuras, ela estava bastante cansada e não se sentia inclinada a reiniciá-las. Mas isso era exatamente o que ela tinha que fazer. Ser capturada por piratas não é tão emocionante quando você sabe que só pode escapar deles por um naufrágio frio e úmido; e quando você naufragou, não fica muito ansioso para embarcar para a praia, pois sabe que há um grande número de ferozes selvagens esperando por você!

“Isso é muito cansativo”, pensou Christabel.

Ela ficou muito feliz quando a pessoa que estava lendo o livro fechou-o novamente e ela teve permissão para dormir em paz.

Mas seu sono não foi longo. Cada vez que alguém começava a ler o livro, a pobre Christabel era obrigada a acordar e passar por todos os seus problemas novamente. Ela logo ficou terrivelmente cansada de naufragar.

“Terei que passar o resto da minha vida com piratas e selvagens?” ela se perguntou em desespero.

Era especialmente irritante que fossem sempre os mesmos piratas e selvagens, que sempre diziam exatamente as mesmas coisas. Christabel logo sabia o livro inteiro de cor. Ela desejou às vezes ser um dos piratas, para variar, em vez de ser sempre uma garotinha.

“Suponho que nunca serei uma adulta”, pensou ela com tristeza.

O mais desagradável de tudo é que ela nunca conseguiu dizer o que queria dizer: sempre foi obrigada a dizer o que estava no livro. Às vezes, ela abria a boca para dizer o que estava pensando e depois se pegava falando palavras que não tinham nada a ver com seus pensamentos.

“É simplesmente odioso não poder dizer e fazer o que se gosta”, pensou ela.

Ela decidiu tentar se afogar no próximo naufrágio. Claro que era inútil tentar, pois o livro dizia que ela seria salva por uma grande onda que a jogaria contra uma rocha. Era desconfortável para ela ser salva dessa forma, mas ela não podia evitar. O naufrágio aconteceu da maneira usual, apesar de seus esforços para se afogar; e então, como de costume, ela conheceu os selvagens na Ilha, e logo depois chegou o fim do livro.

Agora, aconteceu desta vez que a pessoa que estava lendo o livro não o fechou de forma alguma, mas o entregou imediatamente a outra pessoa que desejava lê-lo. Isso era realmente demais para o temperamento de Christabel. Ela não tinha dormido e estava decidida a não começar tudo de novo sem um descanso. De repente, ela percebeu que essa era sua única chance - agora, antes do início do primeiro capítulo.

Ela não perdeu tempo. Ela sabia que deveria ficar de pé - o livro dizia que ela estava de pé. Descobrindo, para sua grande alegria, que era capaz de se mover por conta própria, sentou-se calmamente e cruzou os braços. As outras pessoas no livro olharam para ela com surpresa.

“Não adianta olhar para mim desse jeito”, disse ela; "Estou cansada disso. Eu não vou mais dizer as mesmas coisas repetidamente. Se houver algum pirata que gostaria de trocar de lugar comigo, não me importo de ser pirata por um tempo. Mas eu não vou continuar sendo a garotinha. "

Então houve uma algazarra só. Todas as pessoas do livro começaram a falar ao mesmo tempo. Exatamente naquele momento - antes do início do primeiro capítulo - todos foram capazes de dizer o que escolheram.

"Faça-a se levantar!" gritou um.

"Nunca ouvi tanta bobagem!" disse outro.

"Por que ela não pode se comportar como nós?" perguntou um terceiro com raiva.

“A ideia de querer uma mudança!”

"Ela terá que se comportar como as outras pessoas no final."

“Tão descontente!”

“Muito estranho!”

Então eles continuaram, enquanto Christabel continuava sentada calmamente, com os braços cruzados.

"Não vou começar tudo de novo", ela repetiu com firmeza.

“Mas aquele pobre garoto está esperando para começar o livro”, disse alguém; “E não podemos continuar enquanto você se comporta dessa maneira boba.”

“Não posso evitar”, disse Christabel; "Estou cansada de dizer coisas que não quero dizer."

Antes que ela soubesse o que iria acontecer, Christabel se viu no meio de uma terrível turbulência. Todas as pessoas do livro pareciam correr para ela.

Ao longe, ela ouviu uma voz dizendo - “Há algo muito estranho neste livro. Parece tudo confuso, de alguma forma! "

Então houve silêncio, e Christabel percebeu que as pessoas no livro a haviam expulsado! Ela não era mais uma garotinha em um livro, mas uma garotinha na vida real. Ela olhou em volta e viu sua irmã mais velha, ainda escrevendo.

“Não quero mais estar em um livro”, disse Christabel. “A vida real é melhor. Na vida real, pode-se pelo menos dizer o que se pensa de si mesmo, em vez de sempre dizer o que as outras pessoas pensam. ”

“Não tenha tanta certeza disso”, disse sua irmã mais velha.


FIM



"Uma menininha em um livro" (A little girl in a book), do livro "Fadas que eu encontrei" (Fairies I have met), de Maud Stawell e ilustrações de Edmund Dulac, 1907, disponível para download no original em inglês no Projeto Gutenberg.



quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Conto: "O copinho de Nossa Senhora" - Irmãos Grimm

Encontrei esse conto num site maravilhoso, com centenas de estórias recolhidas pelos irmãos Grimm. 

O copinho de Nossa Senhora


Certa vez um carro, transportando um pesado carregamento de vinho, atolara-se e, por mais esforços que empregasse, o carroceiro não conseguia tirá-lo do atoleiro.

Justamente nesse momento, ia passando por lá Nossa Senhora que, vendo a aflição em que se encontrava aquele pobre homem, lhe disse:

- Estou cansada e com sede; dá-me um copo de vinho. Eu tirarei teu carro desse atoleiro.

- Com todo o gosto! - respondeu o homem; - infelizmente, porém, não tenho copo para dar-lhe o vinho.

Então Nossa Senhora colheu uma florzinha branca listadinha de vermelho, chamada campânula e que tem o formato de um copinho, e apresentou-a ao carroceiro para que a enchesse.

O carroceiro encheu de vinho a flor e Nossa Senhora bebeu-o. No mesmo instante, o carro desatolou-se e o carroceiro pôde continuar a jornada.

Desde então, a pequena campânula ficou sendo denominada Copinho de Nossa Senhora.

domingo, 4 de outubro de 2020

Conto: Os três desejos

Este conto eu já li em várias versões. Uma de minhas preferidas é a do escritor Roberto Carlos Ramos (O contador de histórias), mas a versão que eu trago veio do portal Jangada Brasil, um maravilhoso acervo da cultura brasileira. As referências bibliográficas estão ao final da estória. Boa leitura!

Os três desejos

Um velho e uma velha, numa noite de frio, de muito frio mesmo, quando os animais se encolhiam em suas tocas, e o vento descabelava as árvores, sentaram-se diante de um bom fogo de lenha, na taipa do fogão.


Sentaram-se e ficaram. Não conversavam, pois não tinham assunto. Pouco saíam de casa, não trabalhavam, a não ser na sua rocinha, não frequentavam a casa dos outros, não liam jornais, nem livros, nem iam ao cinema, nem a teatro, não viajavam. Portanto, não tinham assunto. Deixaram-se estar muito calados, espiando as alegres labaredas, e esfregando de vez em quando as mãos engelhadas. Foi ficando tarde, e eles não se animavam a ir para a cama, onde não se aqueceriam os seus velhos ossos, por falta de cobertores. Havia mais: a cabana tinha frinchas por todos os lados. Somente diante do fogo estavam bem. E assim foram ficando.

 fazia muitas horas que estavam calados, olhando o fogo. A lenha se consumiu, no lugar das chamas ficou um brasido vermelho, alegre, com uns estalidos frequentes, o ar acima dele cintilava, relumeava, parecia vivo, o fogo era como um duendezinho que segredava coisas.

Sentiram fome. O velho olhava desconsolado do brasido para o fumeiro, onde não se pendurava nem um triste pedaço de chouriço. A velha seguiu-lhe o olhar e pôs em palavras o pensamento de ambos:

- Que bom, se caísse nesse brasido um pedaço bem grande de linguiça de carne de porco, temperada com uma pimentinha do reino e alho e cebola. E caindo, começasse a chiar, estalando, o cheiro se espalhando pela casa inteira. Ai, como havia de ser delicioso comê-la!

Nessa hora, os anjos do céu estavam dizendo amém. No mesmo instante caiu na brasa, tal como a velha dissera, um pedaço bem grande de linguiça de porco. Grossa, gordurenta, os pedaços de toicinho aparecendo, através da tripa fina, transparente, bem curada e seca. A linguiça se retorcia, assando, e o cheiro se espalhou, de bom tempero e de vianda curtida como se deve. Engoliam os velhos em seco, antegozando o momento de manducar o bom-bocado, quando o velho se lembrou de uma coisa em que ainda não pensara. Com efeito, se o pedido de linguiça fora tão prontamente atendido, um outro pedido, de dinheiro, por exemplo, seria atendido no momento, do mesmo modo.

– Estúpida – rosnou para a mulher. – Pedir linguiça. Bem se vê que você nasceu pobre, num monte de lixo. Por que não pediu riqueza, não pediu joias, não pediu dinheiro? Por quê?

A velha se encolheu:

- Que sabia eu de pedidos? Como podia adivinhar que… que…

- Estúpida – tornou a gritar o velho, exasperado. - Sabe o que eu queria?

E antes de raciocinar, levado pela raiva, formulou o segundo desejo:

- Que essa linguiça saísse das brasas e se pendurasse no seu nariz!

O pedaço de linguiça deu um volteio, subiu e, diante do velho estupefato, grudou-se ao nariz da mulher.

– Uai! – berrou a mulher.

Agarrou-se à linguiça com as duas mãos, puxou, o velho foi ajudá-la.

– Aiaiaiaiaiai! Ai ai!

Puxa que puxa, a linguiça nada de sair.

A velha, desesperada, gritou:

- Eu quero já já, que essa linguiça…

- Não! – gritou o marido, tapando-lhe a boca com a mão. – Não. Vamos pedir uma coisa mais valiosa. Mulherzinha do meu coração! Deixa a linguiça aí, que não está incomodando tanto. Vamos pedir uma bonita casa.

– Não! – berrava a velha.

– Então um terreno com um formoso lago no centro.

– Não.

– Então uma arca cheia de moedas de ouro.

– Não e não.

Aproveitando-se de um momento em que o marido se distraiu e não teve tempo de lhe tapar a boca, ela falou, depressa:

- Quero que se desprenda do meu nariz essa linguiça.

E assim, viram eles satisfeitos os seus três desejos.

(GUIMARÃES, Ruth (org.). Lendas e fábulas do Brasil)

sábado, 19 de setembro de 2020

Conto: "O caboclo, o padre e o estudante" - Luís da Câmara Cascudo - em inglês

Esse conto eu li no maravilhoso livro "Contos Tradicionais do Brasil", de Luís da Câmara Cascudo, e foi a estória que escolhi para contar na sétima edição do Encontro Internacional de Contadores de Estórias - World Ceilidh, que acontece neste domingo (20) às 11h30 (horário de Brasília) com transmissão pelo Zoom, organizado pelo narrador holandês Marin Millenaar com a participação de contadores de estórias de todas as partes do mundo.

Como a participação é em inglês, tive que traduzi-lo e ficou assim:

The peasant, the priest and the student

A student and a priest were traveling through the Brazilian northeastern rough and dry countryside, with a peasant as companion. They were given a small goat cheese in a house.

 Not knowing how to divide it, even because the cheese was so small that it would not be enough for the three of them, the priest decided that everyone should sleep and the cheese would be given to the one that had, during the night, the most beautiful dream, thinking of fooling everyone with his magnificent oratory resources.

Everyone accepted and went to sleep. In the middle of the night, everyone else sleeping, the peasant woke up, went to the cheese and ate it.

In the morning, the three of them sat at the table for coffee, each ready to tell their dream. 

The priest said he dreamed of Jacob's ladder and described it brilliantly, how he ascended triumphantly to heaven through the celestial ladder. The student then said that he had dreamed of himself already in heaven waiting for the priest to come up. 

The peasant then smiled and said:

- I dreamed that I saw you, Your Holiness, climbing the stairs and you, Your Cleverness, in the sky, surrounded by angels and friends. I stayed on the ground and shouted:

- Mr student, Mr priest, the cheese! You forgot the cheese!

Then, the two of you answered from afar, from the sky, surrounded by the sweetest angels:   

- Eat the cheese, Mr peasant! Eat the cheese, man! We're in heaven now, we don't want cheese.

- I tell you, the dream was so real, so vivid, that I thought it to be true, so I got up while you were sleeping and ate the cheese…



A versão original, em português, eu postei aqui no blog em 2009 - leia aqui.

sábado, 12 de setembro de 2020

Cuento: Sopa de pato (espanhol)

Opa! Estou participando do Festival Internacional de la Oralidad por la Vida - La Fogata de Cuentos, com dezenas de outros contadores de estórias de vários países em apresentações ao vivo pelo Facebook. Sou uma das poucas brasileiras participantes. Hoje contei uma versão em inglês do conto "Viva Deus e ninguém mais", de Luís da Câmara Cascudo, que virou "The fisherman, the ring and the king". Depois eu posto aqui essa minha versão em inglês 😊

O conto deste domingo será narrado em espanhol, Sopa de Pato, um conto sufi registrado pelo escritor Idries Shah sobre a perda da essência verdadeira quando longe da fonte original. Segue a estória, conforme encontrei no site Contarcuentos.

Sopa de pato

Cierto día, un campesino fue a visitar a Nasrudin, atraído por la gran fama de éste y deseoso de ver de cerca al hombre mas ilustre del país. Le llevó como regalo un magnífico pato. El Mula, muy honrado, invitó al hombre a cenar y pernoctar en su casa. Comieron una exquisita sopa preparada con el pato.

A la mañana siguiente, el campesino regresó a su campiña, feliz de haber pasado algunas horas con un personaje tan importante. Algunos días más tarde, los hijos de este campesino fueron a la ciudad y a su regreso pasaron por la casa de Nasrudin.
– Somos los hijos del hombre que le regaló un pato – se presentaron.
Fueron recibidos y agasajados con sopa de pato.

Una semana después, dos jóvenes llamaron a la puerta del Mula.
– ¿Quiénes son ustedes?
– Somos los vecinos del hombre que le regaló un pato. El Mula empezó a lamentar haber aceptado aquel pato. Sin embargo, puso al mal tiempo buena cara e invitó a sus huéspedes a comer.

A los ocho días, una familia completa pidió hospitalidad al Mula.
– Y ustedes ¿quiénes son?
– Somos los vecinos de los vecinos del hombre que le regaló un pato.

Entonces el Mula hizo como si se alegrara y los invitó al comedor. Al cabo de un rato, apareció con una enorme sopera llena de agua caliente y llenó cuidadosamente los tazones de sus invitados. Luego de probar el líquido, uno de ellos exclamó:
– Pero… ¿qué es esto, noble señor? ¡Por Alá que nunca habíamos visto una sopa tan desabrida!

Mula Nasrudin se limitó a responder:
– Esta es la sopa de la sopa de la sopa de pato que con gusto les ofrezco a ustedes, los vecinos de los vecinos de los vecinos del hombre que me regaló el pato.

Maestro: recibimos muchas veces la versión de la versión de la verdad; poco queda de su esencia original.

domingo, 21 de junho de 2020

Conto: A lenda da bela Tsuru

Tsuru-no-Ongaeshi: a lenda da bela jovem Tsuru

Mukashi Mukashi aru tokoro ni… Há muito, muito tempo em uma terra distante, vivia um jovem camponês em sua pobre choupana. Um dia, enquanto colhia algumas parcas verduras na terra cansada de sua fazenda, uma brilhante garça branca veio descendo e caiu no chão a seus pés. O homem percebeu uma flecha perfurando uma de suas asas. Com pena da garça, puxou a flecha e limpou o ferimento, cuidando pacientemente da ave.
Graças aos seus cuidados, o pássaro logo foi capaz de voar novamente. O jovem então soltou a garça de volta para o céu, dizendo: “Tenha cuidado a partir de agora com caçadores”. O belo pássaro circulou voando três vezes sobre a cabeça do jovem, soltou um grito, como em agradecimento e, em seguida, voou para longe. Algum tempo depois, o camponês foi surpreendido por uma bela mulher batendo em sua porta, sem desconfiar que a jovem, na verdade, era a garça ferida que havia cuidado com tanto carinho.
Não muito tempo após o encontro com a brilhante garça, o jovem foi surpreendido pela visão de uma bela mulher a quem nunca tinha visto antes, parada, em pé na soleira da porta de sua casa.  Sorrindo para o homem, graciosamente pediu-lhe abrigo por uma noite. O camponês, por ser bom, não negaria esta caridade a qualquer pessoa, mas a beleza da estranha fez com que acreditasse que deixá-la dormir em sua pobre cabana seria realmente uma honra.
Durante a conversa que se travou na longa noite, atraídos um pelo outro, instantaneamente apaixonaram-se. “Eu serei sua esposa”, anunciou confiante a mulher. O jovem ficou surpreso e com medo de sua situação precária, dizendo: “Sou muito pobre, e não poderei sustentá-la.” A bela moça respondeu, apontando para um pequeno saco, “Não se preocupe, temos muito arroz”, e começou a preparar o jantar. O homem ficou confuso, mas feliz, e os dois começaram então uma nova vida juntos. E o saco de arroz, misteriosamente manteve-se sempre cheio.
A noiva era delicada, atenciosa, e tinha tanta disposição para o trabalho quanto era bonita, e assim, os recém-casados viviam muito felizes. Porém, o camponês que já tinha muita dificuldade em viver sozinho, ficou muito preocupado em não conseguir cobrir as despesas de sua nova vida de casado.
Percebendo sua preocupação, a esposa perguntou se poderia construir-lhe um quarto de tecelagem, disse ao marido que produziria um tecido especial (tecer era um trabalho comum para as mulheres nessa época). Ele poderia vendê-lo para ganhar algum dinheiro, mas ela alertou que precisaria fazer seu trabalho em segredo e, que ninguém, nem mesmo ele, seu marido, poderia vê-la tecer. O camponês construiu então outra pequena cabana nos fundos de sua casa, e quando ficou pronto, ela disse: “Você tem que prometer nunca espreitar-me.” Dito isso, se trancou no quarto. Lá, ela trabalhou durante dias, e o jovem pacientemente esperou.
O marido só ouvia o som do tear batendo, e a curiosidade e a saudade que tinha de sua bela mulher fazia com que os dias demorassem muito para passar. Finalmente, depois de três dias, o som do tear parou e sua esposa saiu segurando nas mãos o mais belo tecido que ele já tinha visto. Era um tecido de textura delicada, brilhante e com desenhos exóticos. A tecelã lhe deu o nome de “mil penas de Tsuru”. “Leve este pano para o mercado que será vendido por um preço alto”, disse a esposa. No dia seguinte, ele levou o rico fardo para a cidade. Os comerciantes ficaram surpreendidos com a beleza do tecido e lutaram entre si para consegui-lo. E, assim como ela disse, foi vendido por muitas moedas de ouro.  O pobre homem não podia acreditar que tão de repente a sorte começasse a lhe sorrir. Feliz, voltou para casa.
A partir de então, a esposa passou a trabalhar no valioso tecido muitas outras vezes. O casal podia, com o fruto das vendas, viver em conforto. A mulher, porém, tornava-se, dia após dia, mais magra. Um dia, disse que não poderia tecer por um bom tempo. Ela estava muito cansada. Seus ossos lhe doíam e a fraqueza quase a impedia de ficar em pé. O camponês a amava muito e acreditava naquilo que dizia, porém, tinha experimentado a cobiça e, como havia contraído algumas dívidas na cidade, pediu para que tecesse somente por mais uma vez. A princípio ela não aceitou, mas perante a insistência do marido, cedeu e começou a tecer novamente.
Desta vez, ela não saiu no terceiro dia como era de costume. E o homem ficou preocupado. Mais três dias se passaram sem que a mulher aparecesse. E isso começou a deixar o marido desesperado. No sétimo dia, sem saber mais o que fazer, ele quebrou sua promessa, espiando o serviço de tecelagem que ela fazia dentro do quarto.
Para sua grande surpresa, não era sua graciosa esposa quem estava tecendo. Arqueada sobre o tear, encontrava-se uma garça, muito parecida com aquela que o camponês havia curado, arrancando suas próprias penas para tecer. O jovem homem sentiu-se arrasado, culpando-se pelo que poderia ter acontecido com sua amada. Amaldiçoava-se por ter sido insaciável e praticamente tê-la obrigado a tecer mais uma vez.
O pássaro então notou o jovem a espreitar-lhe e disse: “Eu sou a garça que você salvou. Queria muito recompensá-lo por sua gentileza em me curar, por isso, tornei-me sua esposa, mas agora que viu minha verdadeira forma, não posso ficar aqui por mais tempo.” Então, com as mãos tremulas entregou-lhe o tecido acabado, e com a voz embargada disse: “Deixo-vos isto para que se lembre de mim.”  Assim dizendo, ela se transformou em uma garça e voou, deixando o camponês com lágrimas nos olhos vê-la desaparecer no horizonte.
Por Isa Constantino do livro: Myths and legends of Ancient Japan

quarta-feira, 22 de abril de 2020

O dragão do Morro Bom Jesus

Você sabia que, de vez em quando, a terra treme em Caruaru, uma cidadezinha muito agradável do interior de Pernambuco, onde se faz o Maior e Melhor São João do Mundo? Pois é, e quando isso acontece o povo todo fica muito assustado. Acontece que ninguém hoje se lembra o motivo desses tremores. Qual placa tectônica que nada! O motivo é muito mais fantástico que esse... Descubra qual é na narração da Cigana Contadora de Estórias 😊

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Estórias ao vivo no Blog da Ilha de Itaparica


Opa! No último dia 5 fiz uma apresentação ao vivo pela página do Facebook do Blog da Ilha de Itaparica para entreter a garotada de molho em casa por causa da pandemia do novo coronavírus. Contei estórias do meu livro (Era uma vez... Cepe, 2014) e do folclore mundial. Se você perdeu a sessão de estorinhas, é só clicar no link acima 😉 
Na próxima sexta, às 10h farei nova apresentação, dessa vez pelo Instagram do Blog da Ilha.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Salve Yemanjá! - conto de Pierre Verger

Odô Iyâ Yemanjá Ataramagbá,
ajejê lodõ, ajejê nilê!

Iemanjá era a filha de Olokum, a deusa do mar.
Em Ifé, ela tornou-se a esposa de Olofin-Odudua, com o qual teve dez filhos.
Estas crianças receberam nomes simbólicos e todos tomaram-se orixás. Um deles foi chamado
Oxumaré, o Arco-Íris, "aquele-que-se-desloca-com-a-chuva-e-revela-seus-segredos".
De tanto amamentar seus filhos, os seios de Iemanjá tornaram-se imensos.
Cansada da sua estadia em Ifé,
Iemanjá fugiu na direção do "entardecer-da-terra", como os iorubas designam o Oeste,
chegando a Abeokutá.
Ao norte de Abeokutá, vivia Okere, rei de Xaki.
Iemanjá continuava muito bonita.
Okere desejou-a e propôs-lhe casamento.
Iemanjá aceitou mas, impondo uma condição, disse-lhe:
"Jamais você ridicularizará da imensidão dos meu seios."
Okere, gentil e polido, tratava Iemanjá com consideração e respeito.
Mas, um dia, ele bebeu vinho de palma em excesso.
Voltou para casa bêbado e titubeante.
Ele não sabia mais o que fazia.
Ele não sabia mais o que dizia.
Tropeçando em Iemanjá, esta chamou-o de bêbado e imprestável.
Okere, vexado, gritou:
"Você, com seus seios compridos e balançantes!
Você, com seus seios grandes e trêmulos!"
Iemanjá, ofendida, fugiu em disparada.
Certa vez, antes do seu primeiro casamento,
Iemanjá recebera de sua mãe, Olokum,
uma garrafa contendo uma poção mágica pois, dissera-lhe esta:
"Nunca se sabe o que pode acontecer amanhã.
Em caso de necessidade, quebre a garrafa, jogando-a no chão."
Em sua fuga, Iemanjá tropeçou e caiu.
A garrafa quebrou-se e dela nasceu um rio.
As águas tumultuadas deste rio levaram Iemanjá em direção ao oceano, residência de sua mãe
Olokum.
Okere, contrariado, queria impedir a fuga de sua mulher.
Querendo barrar-lhe o caminho, ele transformou-se numa colina, chamada, ainda hoje, Okere,
e colocou-se no seu caminho.
Iemanjá quis passar pela direita, Okere deslocou-se para a direita.
Iemanjá quis passar pela esquerda, Okere deslocou-se para a esquerda.
Iemanjá, vendo assim bloqueado seu caminho para a casa materna, chamou Xangô, o mais
poderoso dos seus filhos.
Kawo Kabiyesi Sango, Kawo Kabiyesi Obá Kossôl "
Saudemos o Rei Xangô, saudemos o Rei de Kossô!"
Xangô veio com dignidade e seguro do seu poder. ele pediu uma oferenda de um carneiro e
quatro galos, um prato de "amalá", preparado com farinha de inhame, e um prato de
"gbeguiri", feito com feijão e cebola.
E declarou que, no dia seguinte, Iemanjá encontraria por onde passar.
Nesse dia, Xangô desfez todos os nós que prendiam as amarras da chuva. Começaram a
aparecer nuvens dos lados da manhã e da tarde do dia.
Começaram a aparecer nuvens da direita e da esquerda do dia.
Quando todas elas estavam reunidas, chegou Xangô com seu raio.
Ouviu-se então: Kakara rá rá rá ...
Ele havia lançado seu raio sobre a colina Okere.
Ela abriu-se em duas e, suichchchch ...
Iemanjá foi-se para o mar de sua mãe Olokum.
Aí ficou e recusa-se, desde então, a voltar em terra.
Seus filhos chamam-na e saúdam-na:
”Odo Iyá, a Mãe do rio, ela não volta mais.
Iemanjá, a rainha das águas, que usa roupas cobertas de pérolas."
Ela tem filhos no mundo inteiro.
Iemanjá está em todo lugar onde o mar vem bater-se com suas ondas espumantes. Seus filhos
fazem oferendas para acalmá-Ia e agradá-la.
Odô Iyá, Yemanjá, Ataramagbá Ajejê lodôl Ajejê nilêl
"Mãe das águas, Iemanjá, que estendeu-se ao longe na amplidão.

Paz nas águas! Paz na casa!"

Fonte: Lendas Africanas dos Orixá, 4a edição

©Fundação Pierre Verger/ Carybe e Corrupio Edições e Promoções Culturais Ltda.

Ouça a estória "O galo rouco e o rato esperto", da Cigana Contadora de Estórias!

Apresentações de contadores de estórias

Palavra Cantada - O rato
Clara Haddad - O coelho e o baobá

Cia Ópera na Mala - A sopa de pedras do Pedro

Cia Ópera na Mala - Pedro Malazartes e o pássaro raro

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