quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Domingo tem as Estórias da Cigana no Shopping Caruaru!


A escritora carioca Gabriela Kopinits (Gaby Santoss), a Cigana Contadora de Estórias, estará no próximo domingo, dia 25 de fevereiro, às 15h, no Shopping Caruaru, compartilhando suas cativantes narrativas com o público infantil presente no centro de compras. O evento é uma comemoração do Dia Nacional do Livro Didático, celebrado em 27 de fevereiro.

Para a autora, já conhecida do público caruaruense por sua participação em eventos literários, a iniciativa do shopping é admirável ainda mais quando se considera que o Brasil ainda é um dos países que menos leem no mundo. Segundo o Estudo Internacional de Leitura, divulgado no ano passado, feito pela IEA (Associação Internacional para a Avaliação de Conquistas Educacionais) com crianças do 4º ano do ensino fundamental em 57 países, o Brasil ficou em 52º lugar, à frente de poucas nações como Irã, Jordânia e Egito.

“Além de ser escritora e narradora, desempenho o papel de professora, o que me proporciona uma compreensão profunda da relevância do livro didático como ferramenta essencial na construção do conhecimento. Por essa razão, vejo com entusiasmo a iniciativa do shopping, especialmente em um momento em que a leitura requer todo o estímulo possível. É crucial aproximar essas gerações que já nasceram com um celular na mão do vasto conhecimento presente nos livros, promovendo uma abordagem mais profunda em contraste com a leitura breve e superficial do conteúdo comumente disponibilizado nos meios digitais”, avalia Gaby.

Sobre a autora

Jornalista especializada em Literatura Infantil e Contação de Histórias, Gaby Santoss faz parte da Red Internacional de Cuentacuentos/The International Storytelling Network, e é a autora de dois livros infantis: "Era uma vez... estórias de uma contadora de estórias", publicado pela Cepe Editora, e "Alice e a bolha de sabão: uma aventura no Bosque Encantado", disponível pela Kindle Books. Suas estórias envolventes e lúdicas têm conquistado corações de leitores de todas as idades, e em vários países, também através do seu podcast "Estórias da Cigana", disponível no Spotify e em outras plataformas de streaming. No podcast, ela compartilha uma variedade de contos da tradição oral do Brasil e de outros países em português, inglês e espanhol.

Detalhes do Evento

Data: 25 de fevereiro

Horário: das 15h às 17h

Local: em frente à loja Ri Happy - Shopping Caruaru

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Conto: "Os dois reis de Gondar"

Esse bonito conto veio lá da Etiópia e essa versão foi escrita pela espanhola Anna Soler-Pont, no livro "O príncipe medroso e outros contos africanos", da Cia das Letras. Eu também ouvi uma deliciosa versão na voz de Zezé Motta no episódio 10 do documentário "Sankofa - a África que te habita", disponível na Netflix, que vou disponibilizar no meu podcast "Estórias da Cigana".

Cena de "Sankofa - a África que te habita"

Os dois reis do Gondar

Era um dia como os de outrora... e um pobre camponês, tão pobre que tinha apenas a pele sobre os ossos e três galinhas que ciscavam alguns grãos de teff que encontravam pela terra poeirenta, estava sentado na entrada da sua velha cabana como todo fim de tarde. 

De repente, viu chegar um caçador montado a cavalo. O caçador se aproximou, desmontou, cumprimentou-o e disse: 

— Eu me perdi pela montanha e estou procurando o caminho que leva à cidade de Gondar. 

— Gondar? Fica a dois dias daqui — respondeu o camponês. — O sol já está se pondo e seria mais sensato se você passasse a noite aqui e partisse de manhã cedo. 

O camponês pegou uma das suas três galinhas, matou-a, cozinhou-a no fogão a lenha e preparou um bom jantar, que ofereceu ao caçador. Depois de comerem os dois juntos sem falar muito, o camponês ofereceu sua cama ao caçador e foi dormir no chão ao lado do fogo.

No dia seguinte bem cedo, quando o caçador acordou, o camponês explicou-lhe como teria que fazer para chegar a Gondar: 

— Você tem que se enfiar no bosque até encontrar um rio, e deve atravessá-lo com seu cavalo com muito cuidado para não passar pela parte mais funda. Depois tem que seguir por um caminho à beira de um precipício até chegar a uma estrada mais larga... 

O caçador, que ouvia com atenção, disse: 

— Acho que vou me perder de novo. Não conheço esta região... Você me acompanharia até Gondar? Poderia montar no cavalo, na minha garupa. 

— Está certo — disse o camponês —, mas com uma condição. Quando a gente chegar, gostaria de conhecer o rei, eu nunca o vi. 

— Você irá vê-lo, prometo. 

O camponês fechou a porta da sua cabana, montou na garupa do caçador e começaram o trajeto. Passaram horas e horas atravessando montanhas e bosques, e mais uma noite inteira. Quando iam por caminhos sem sombra, o camponês abria seu grande guarda-chuva preto, e os dois se protegiam do sol. E quando por fim viram a cidade de Gondar no horizonte, o camponês perguntou ao caçador: 

— E como é que se reconhece um rei? 

— Não se preocupe, é muito fácil: quando todo mundo faz a mesma coisa, o rei é aquele que faz outra, diferente. Observe bem as pessoas à sua volta e você o reconhecerá. 

Pouco depois, os dois homens chegaram à cidade e o caçador tomou o caminho do palácio. Havia um monte de gente diante da porta, falando e contando histórias, até que, ao verem os dois homens a cavalo, se afastaram da porta e se ajoelharam à sua passagem. O camponês não entendia nada. Todos estavam ajoelhados, exceto ele e o caçador, que iam a cavalo. 

— Onde será que está o rei? — perguntou o camponês. — Não o estou vendo! 

— Agora vamos entrar no palácio e você o verá, garanto! 

E os dois homens entraram a cavalo dentro do palácio. O camponês estava inquieto. De longe via uma fila de 21 pessoas e de guardas também a cavalo que os esperavam na entrada. Quando passaram na frente deles, os guardas desmontaram e somente os dois continuaram em cima do cavalo. O camponês começou a ficar nervoso: 

— Você me falou que quando todo mundo faz a mesma coisa... Mas onde está o rei? 

— Paciência! Você já vai reconhecê-lo! É só lembrar que, quando todos fazem a mesma coisa, o rei faz outra. 

Os dois homens desmontaram do cavalo e entraram numa sala imensa do palácio. Todos os nobres, os cortesãos e os conselheiros reais tiraram o chapéu ao vê-los. Todos estavam sem chapéu, exceto o caçador e o camponês, que tampouco entendia para que servia andar de chapéu dentro de um palácio. O camponês chegou perto do caçador e murmurou: 

— Não o estou vendo! 

— Não seja impaciente, você vai acabar reconhecendo-o! Venha sentar comigo. 

E os dois homens se instalaram num grande sofá muito confortável. Todo mundo ficou em pé à sua volta. O camponês estava cada vez mais inquieto. Observou bem tudo o que via, aproximou-se do caçador e perguntou: 

— Quem é o rei? Você ou eu? 

O caçador começou a rir e disse: 

— Eu sou o rei, mas você também é um rei, porque sabe acolher um estrangeiro! 

E o caçador e o camponês ficaram amigos por muitos e muitos anos.

terça-feira, 18 de abril de 2023

Olha a Cigana na CBN!

 

A Cigana e o seu livro - Foto: Victor Vargas/Guanabara-Kirimurê

Opa! Em comemoração ao Dia Nacional do Livro Infantil - data de nascimento do maravilhoso Monteiro Lobato - vou estar na Rádio CBN Caruaru, nesta terça-feira 18 de abril às 14h30, participando do programa Panorama CBN, com Almir Vilanova e Moisés Rouche, meus eternos e queridos Mimi & Momô dos saudosos tempos das ondas do rádio FM.

Vou falar sobre os pioneiros do livro infantil (inclusive uma surpresa para muita gente que não sabe que entre eles, há importantes 'elas'), algumas estratégias para despertar o interesse da turminha pela leitura, a polêmica do "cancelamento" do grande Lobato por acusações de racismo, um pouco do meu trabalho como escritora e contadora de estórias e, claro, o podcast "Estórias da Cigana", onde narro um mundo de contos de tudo quanto é canto do mundo.
Não perca, sintonize nos 89,9FM ou acompanhe ao vivo pelo https://www.cbncaruaru.com/
Viva o Livro! Viva a Leitura! Viva Monteiro Lobato!
Foto: Victor Vargas/Guanabara-Kirimurê

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Conto: O palácio maravilhoso

Conta-se que, certa vez, um rei desejou realizar uma viagem a uma região longínqua, pobre e triste, árida e sem conforto. A um dos seus ministros determinou que fosse à frente e construísse um magnífico palácio, com largas varandas de marfim e pátios floridos, para que nele se pudesse hospedar, com luxo e muito conforto.

Partiu o ministro, dias depois, em uma caravana, com numerosos camelos carregados de peças de ouro. Ao chegar à cidade, ficou desolado com o estado de abandono em que se achava o povo. Havia crianças famintas e centenas de infelizes, morrendo de inanição. 

Os quadros de miséria e sofrimento se desenrolavam, a cada passo, torturando o coração do poderoso ministro.

Levado por um impulso irresistível, em vez de executar a ordem do rei, resolveu investir a riqueza que trazia, beneficiando a infeliz população. 

Mandou construir abrigos para os desamparados.

Distribuiu mantimentos entre os mais necessitados.

Determinou que todos os enfermos fossem, sem demora, medicados e forneceu pão aos que padeciam fome.

Ao fim de alguns meses, notava-se uma transformação total na localidade. Os homens haviam voltado ao trabalho e por toda a parte reinava a alegria. As crianças brincavam nos pátios e as mulheres cantavam nas portas das tendas. 

Quando o rei chegou para sua visita, foi recebido por uma grande manifestação de júbilo da população. Flores eram jogadas à sua passagem, aplausos se sucediam por onde passava.

Sinto-me feliz – confessou ele – por saber que sou sinceramente estimado pelos meus súditos.

No entanto, ao desejar se acomodar no palácio que encomendara, ouviu do ministro que não havia palácio algum. Mesmo sabendo que, por ter desobedecido a uma ordem direta do rei, seria condenado à morte, não ocultou a menor parcela da verdade. 

Principiou, quase entre lágrimas, a descrever a miséria em que encontrara o povo. Confessou, de joelhos, que, penalizado diante de tanto sofrimento, resolvera dispor dos recursos que lhe haviam sido confiados para mudar o triste panorama. Reconhecia que o que fizera caracterizava um abuso de confiança. E concluiu que aguardava o castigo de que se acreditava merecedor, pela transgressão cometida.

Para sua surpresa, o rei, que o ouvira atentamente, ordenou:

Levante-se, meu amigo. Vejo que seu trabalho é responsável pela edificação do mais belo dos palácios que já conheci.

Vejo as torres cintilantes nas fisionomias alegres das crianças; admiro as largas varandas de marfim no sorriso radiante dos meus súditos; reconheço os pátios floridos no olhar de gratidão das mães felizes.

Como é majestoso e belo o palácio que a sua bondade ergueu nestas terras.

***

"Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração." 

Mateus 6:19-21

***

Fonte: Redação do Momento Espírita, com base em conto do livro Os melhores contos, de Malba Tahan, ed. Record.

sábado, 26 de dezembro de 2020

Conto: "O quarto Rei Mago" - Henry van Dyke

 O Quarto Rei Mago

Henry van Dyke


Vocês sabem a história dos três reis magos que viajaram do Oriente para Belém para adorar a Jesus e lhe ofertar as dádivas de ouro, incenso e mirra.

Vou lhes contar a história do quarto rei mago que também viu a estrela e resolveu segui-la e do seu grande desejo de adorar o Rei Menino e lhe oferecer os seus presentes.

Ele morava nas montanhas da Pérsia e o seu nome era Artaban. Era um médico, alto, moreno, de olhos bem escuros: a fisionomia de um sonhador, a mente de um sábio. Um homem de coração manso e espírito indominável.

Era um homem de posses. A sua moradia era rodeada de jardins bem tratados com árvores de frutas e flores exóticas. Suas vestes eram de seda fina e o seu manto da mais pura lã. Era seguidor de Zoroastro e numa noite se reuniu em conselho com nove membros da mesma seita. Eram todos sábios!

Artaban lhes falou sobre a nova estrela que vira e o seu desejo de segui-la. Disse-lhes:

“- Como seguidores de Zoroastro aprendemos que os homens vão ver nos céus, em tempo apontado pelo Eterno, a luz de uma nova estrela e nesse dia, nascerá um grande profeta e Ele dará aos homens a vida eterna, incorruptível e imortal, e os mortos viverão outra vez! Ele será o Messias, o Rei de Israel.

E continuou:

“- Os meus três amigos Gaspar, Melchior, Baltazar e eu, vimos a grande luz brilhante de uma nova estrela há vários dias e vamos sair juntos para Jerusalém para ver e adorar o Prometido, o Rei de Israel. Vendi a minha casa e tudo o que possuo e comprei estas joias: uma safira, um rubi e uma pérola para oferecer como tributo ao Rei. Convido-os para virem comigo nesta peregrinação para juntos adorarmos o rei!”

Mas um véu de dúvida cobriu as faces de seus amigos:

“- Artaban! Isso é um sonho em vão. Nenhum rei vai nascer de Israel! Quem acredita nisso é um sonhador!”

E um a um, todos o deixaram.

“- Adeus, amigo!”

Artaban, pesquisando os céus, viu de novo a estrela.

“- É o sinal!” Disse ele. “- O Rei vai chegar e eu vou encontrá-lo.”

Artaban preparou o seu melhor cavalo, chamado Vasda, e de madrugada saiu às pressas, pois, para se encontrar, no dia marcado, com Gaspar, Melchior e Baltazar, que já estavam a caminho, ele precisava cavalgar noite e dia. Já estava escurecendo e ainda faltavam mais ou menos três horas de viagem para chegar ao local de encontro e ele precisava estar lá antes de meia-noite ou os três magos não poderiam demorar mais à sua espera!

“- Mas, o que é isto?”

Na estrada, perto de umas palmeiras, o seu cavalo Vasda, pressentindo alguma coisa desconhecida, parou resfolegando, junto a um objeto escuro perto da última palmeira.

Artaban desmontou. A luz das estrelas revelou a forma de um homem caído na estrada. Um pobre hebreu entre os muitos que moravam por perto. A sua pele estava seca e amarela e o frio da morte já o envolvia. Artaban, depois de examiná-lo, deu-o por morto e voltou-se com um coração triste pois nada podia fazer pelo pobre homem.

“- Mas o que foi isto?” - perguntou-se ele, surpreso ao ouvir um murmúrio quase inaudível vindo do homem que julgava morto. Ao que parecia, o hebreu ainda vivia!

“- Que devo fazer? Se me demorar, os meus amigos procederão sem mim. Preciso seguir a estrela! Não posso perder a oportunidade de ver o Príncipe da Paz só para parar e dar um pouco de água a um pobre hebreu nas garras da morte!”

“- Deus da Verdade e da Pureza, dirige-me no teu caminho santo, o caminho da sabedoria que só tu conheces!”

E Artaban carregou o hebreu para a sombra de uma palmeira e tratou-o por muitos dias até que ele se recuperou.

“- Quem és tu?” perguntou ele ao mago.

“- Sou Artaban e vou a Jerusalém à procura daquele que vai nascer: O Príncipe da Paz e Salvador de todos os homens. Não posso me demorar mais, mas aqui está o restante do que tenho: pão, vinho, e ervas curativas.”

O hebreu erguendo as mãos aos céus lhe disse:

“- Que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó o abençoe; nada tenho para lhe pagar, mas ouça-me: Os nossos profetas dizem que o Messias deve nascer, não em Jerusalém mas em Belém de Judá.”

Assim, já era muito mais de meia-noite e vários dias mais tarde quando Artaban montou de novo o seu cavalo Vasda e num galope rápido prosseguiu ao encontro de seus amigos.

Aos primeiros raios do sol, checou ao lugar do encontro. Mas… onde estavam os três magos? Artaban desmontou e ansioso, estudou todo o horizonte. Nem sinal da caravana de camelos dos seus amigos! Então entre uma pilha de pedras achou um pergaminho e a mensagem:

“- Não pudemos esperar mais, vamos ao encontro do Rei de Israel. Siga-nos através do deserto.”

Artaban sentou-se e cobriu a cabeça em desespero!

“- Como posso atravessar o deserto sem ter o que comer e com um cavalo cansado? Tenho mesmo que regressar à Babilônia, vender a minha safira e comprar camelos e provisões para a viagem. Só Deus, o misericordioso, sabe se vou encontrar o Rei de Israel ou não, porque me demorei tanto ao mostrar caridade,”

Artaban continuou a via pelo deserto e finalmente chegou em Belém, levando o seu rubi e a sua pérola para oferecer ao Rei. Mas as ruas da pequena vila. pareciam desertas. Pela porta aberta de uma casinha pobre, Artaban ouviu a voz de uma mulher cantando suavemente. Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu bebé.

Três dias passados Ela lhe falou sobre os três magos que estiveram na vila a que disseram terem sido guiados por uma estrela ao lugar onde José de Nazaré, sua esposa Maria, e o seu bebê Jesus estavam hospedados. Eles trouxeram prendas de ouro, incenso e mirra para o menino. Depois, desapareceram tão rapidamente quanto apareceram. E a família de Nazaré também saiu à noite, em segredo, talvez para o Egito.

O bebê nos seus braços olhou para o rosto de Artaban e sorriu estendendo os bracinhos para ele.

“Não poderia essa criança ser o Príncipe Prometido? Mas não! Aquele que procuro já não está aqui e eu preciso encontrá-lo no Egito!”

A jovem mãe colocou o bebê no leito e preparou um almoço para o estranho hóspede que veio à sua casa. Subitamente, ouviu-se uma grande comoção nas ruas: gritos de dor, o chorar de mulheres, tocar de trombetas e o clamor:

“- Soldados! Os soldados de Herodes estão matando as nossas crianças!”

A jovem mãe, branca de terror, escondeu-se no canto mais escuro da casa, cobrindo o filho com o seu manto para que ele não acordasse e chorasse.

Mas Artaban colocou-se em frente à porta da casa impedindo a entrada dos soldados. Um capitão aproximou-se para afastá-lo. A face de Artaban estava calma como se estivesse observando as estrelas. Fitou o soldado um instante e lhe disse:

“- Estou sozinho aqui, esperando para dar esta joia ao prudente capitão que vai me deixar em paz.”

E mostrou o rubi brilhando na palma da sua mão como uma grande gota de sangue.

Os olhos do capitão brilharam com o desejo de possuir tal joia!

“- Marchem, avante!”, gritou aos seus soldados. “- Não há criança aqui!”

E Artaban, olhando os céus, orou:

“- Deus da Verdade, perdoa o meu pecado! Eu disse uma coisa que não era para salvar uma criança. E duas das minhas dádivas já se foram. Dei aos homens o que havia reservado para Deus. Poderei ainda ser digno de ver a face do Rei?”

E Artaban prosseguiu na sua procura entre as pirâmides do Egito, em Heliopólis, na nova Babilônia às margens do Nilo… Numa humilde casa em Alexandria, Artaban procurou o conselho de um velho rabi, que lhe falou das profecias e do sofrimento do Messias prometido e receitado pelos homens.

“- E lembre-se, meu filho: o Rei que procuras não o vais encontrar num palácio ou entre os ricos e poderosos. Isto eu sei: os que O procuram devem fazê-lo entre os pobres e os humildes, os que sofrem e são oprimidos.”

E Artaban passou por lugares onde a fome era grande. Fez a sua morada em cidades onde os doentes morriam na miséria. Visitou os oprimidos nas prisões subterrâneas, os escravos nos mercados de escravos…

Em toda a população de um mundo cheio de angústia ele não achou ninguém para adorar, mas muitos para ajudar! Ele alimentou os que tinham fome, cuidou dos doentes, e confortou os prisioneiros… E os anos passaram… 33 anos.

E os cabelos de Artaban já não eram pretos, eram brancos como a neve nas montanhas. Velho, cansado e pronto para morrer era ainda um peregrino à procura do Rei de Israel e, agora em Jerusalém, onde havia estado muitas vezes na esperança de achar a família de Belém.

Os filhos de Israel estavam agora na cidade santa para a festa da Páscoa do Senhor e havia uma agitação e excitamento singular. Vendo um grupo de pessoas da sua terra, Artaban lhes perguntou o que se passava e para onde o povo se dirigia.

“- Para o Gólgota!” lhe responderam, “- …pois não ouviste? Dois ladrões vão ser crucificados e com eles, um homem chamado Jesus de Nazaré que, dizem, fez coisas maravilhosas entre o povo. Mas os sacerdotes exigiram a Sua morte, porque disse ser o Filho de Deus. Pilatos O condenou a ser crucificado porque disseram ser Ele o Rei dos Judeus.”

“Os caminhos de Deus são mais estranhos do que o pensamento dos homens,” pensou Artaban. “Agora é o tempo de oferecer a minha pérola para livrar da morte o meu Rei!”

Ao seguir a multidão em direção ao portal de Damasco, um grupo de soldados apareceu arrastando uma jovem rapariga com vestes rasgadas e o rosto cheio de terror.

Ao ver o mago, a jovem reconheceu-o como da sua própria terra e libertando-se dos guardas atirou-se aos pés de Artaban:

“- Tenha piedade!…”, ela implorou,…”e pelo Deus da pureza, salva-me! Meu pai era mercador na Pérsia, mas faleceu e agora vão me vender como escrava para pagar seus débitos! Salva-me!”

Artaban tremeu. Era o velho conflito da sua alma entre a fé, a esperança e o impulso do amor. Duas vezes as dádivas consagradas foram dadas para a humanidade. E agora? Uma coisa ele sabia:

“- Salvar essa jovem indefesa era um gesto de amor. E não é o amor a luz da alma?”

Ele tirou a pérola de junto ao seu coração. Nunca ela pareceu tão luminosa! Colocou-a na mão da moça:

“- Este é o teu pagamento, o último dos tesouros que guardei para o Rei!”

Enquanto ele falava, uma escuridão profunda envolveu a terra que tremeu convulsivamente! Casas caíram, os soldados fugiram, mas Artaban e a moça protegeram-se debaixo do telhado sobre as muralhas do Pretório.

“- O que tenho a temer,” pensou ele,” …e para quê viver? Não há mais esperança de encontrar o Rei, a procura terminou, eu falhei.”

Mas mesmo esse pensamento lhe trouxe paz, pois sabia que viveu de dia a dia da melhor maneira que soube. Se tivesse que viver de novo, a sua vida não poderia ser de outra maneira.

Mais um tremor de terra e uma telha desprendeu-se do telhado e feriu o velho mago na cabeça. Repousou no chão e deitou a cabeça nos ombros da jovem com o sangue a escorrer do ferimento.

Ao debruçar-se sobre ele, ela ouviu uma voz suave, como música vindo da distância. Os lábios de Artaban moveram-se como em resposta e ela escutou o que o velho mago disse na sua própria língua:

“- Não, meu Senhor! Quando te vi com fome e te dei de comer? ou com sede e te dei de beber? ou quando te vi enfermo ou na prisão e fui te ver?

Por 33 anos eu te procurei, mas nunca vi a tua face, nem te servi, meu Rei!”

E uma voz suave veio, mas desta vez dos céus. A jovem também compreendeu as palavras.

“- Em verdade, em verdade vos digo que quando o fizeste a um destes meus irmãos a mim o fizeste!”

Uma alegria radiante iluminou a face calma de Artaban.

Um suspiro longo e aliviado saiu de seus lábios.

A viagem para ele havia terminado.

O quarto mago, Artaban, compreendeu que havia encontrado o seu Rei por quem havia procurado durante toda a sua vida!

Fonte: Diocese de Aveiro

sábado, 21 de novembro de 2020

Conto: "Uma menininha em um livro" - Maud Stawell

CHRISTABEL era uma garotinha que lia muitos livros. Ela percebeu que as meninas e os meninos nos livros não eram exatamente como as meninas e meninos que brincavam com ela na Praça e vinham tomar chá com ela. 

As crianças nos livros eram maravilhosamente corajosas e inteligentes e, quando estavam tendo suas aventuras magníficas, sempre faziam exatamente a coisa certa no momento certo. Eles nunca tiveram um minuto de tédio e nunca disseram nada bobo. 

As meninas e meninos que vinham para o chá com Christabel não eram assim, e Christabel sabia que ela mesma não era assim. Ela nunca havia tido nenhuma aventura e sabia que, mesmo que tivesse tido, não se comportaria de forma corajosa ou inteligente. E ela costumava ser tão monótona que tamborilava com os dedos na janela e dizia:

"O que eu devo fazer?"

Agora, Christabel tinha uma irmã mais velha que escrevia livros.

Um dia ela disse a sua irmã mais velha -

“Como eu gostaria de ser uma garotinha em um livro! Nada nunca acontece com as meninas na vida real. É tão chato! ”

A irmã mais velha continuou escrevendo e não disse nada.

“Não adianta falar com ela”, pensou Christabel, “porque ela sempre continua escrevendo”.

Poucos dias depois disso, Christabel começou a se sentir estranha. Uma espécie de rigidez tomou todos os seus membros, de modo que não faziam o que ela mandava. E às vezes ela se pegava dizendo coisas que não tinha a intenção de dizer. 

Isso a intrigou e a deixou muito desconfortável. Ela se perguntou se outras pessoas perceberam que havia algo errado com ela. Ela até pensou em falar com sua irmã mais velha sobre isso, mas a irmã mais velha estava tão ocupada escrevendo que não adiantava tentar fazê-la ouvir.

Isso continuou por algum tempo. Christabel foi ficando cada vez mais rígida e cada vez mais desconfortável, e sua irmã mais velha continuou ocupada, escrevendo.

Por fim, um dia, Christabel entendeu o que havia acontecido. Ela acordou e descobriu que tudo ao seu redor havia mudado; as pessoas e o lugar e tudo mais. Ela ficou assustada no início, e então a verdade de repente surgiu em sua mente. A coisa mais notável, incomum e inesperada aconteceu: sua irmã mais velha a tinha colocado em um livro!

“Então eu realmente sou uma garotinha em um livro, afinal!” ela disse para si mesma.

Ela tentou dizer em voz alta, mas descobriu que não conseguia. As palavras não estavam no livro, você sabe.

“Agora vou me divertir”, pensou ela, “e nunca mais ser enfadonha”.

Não havia muita chance de ser enfadonha, pois o livro estava cheio de aventuras, escapadas por um triz e outras coisas deliciosas.

Primeiro ela foi capturada por piratas; e depois de passar um tempo terrível com eles, ela foi salva deles por um naufrágio. Todavia, o naufrágio não lhe fez muito bem, pois ela caiu imediatamente nas mãos dos mais terríveis selvagens. Portanto, você compreenderá que provavelmente não haveria nenhuma chance dela ficar entediada.

Christabel ficou encantada ao descobrir que se comportava, como as outras garotinhas dos livros, com a maior coragem e inteligência. Sempre que uma aventura estava acontecendo, ela sempre conseguia escapar de todas as dificuldades e salvou a vida de várias das outras pessoas do livro com sua bravura. O estranho é que ela achava muito fácil ser corajosa; quando ela era uma garotinha na vida real, ela não achava nada fácil.

“Então eu realmente sou uma garotinha em um livro, afinal!” ela disse a si mesma. "

“Espero que o livro tenha um final feliz”, ela pensava às vezes.

Ela gostaria muito de poder dar uma espiada no final do livro, como costumava fazer quando era uma garotinha na vida real. Enquanto isso, cada capítulo era mais emocionante do que o anterior. Claro que Christabel não sabia se ela escaparia dos selvagens. Talvez eles fossem comê-la. Isso não seria um final feliz para o livro, ela pensou.

Depois de muitos perigos terríveis, ela conseguiu escapar; pois um navio entrou na baía no momento certo e o levou para a Inglaterra. Este foi o fim do livro. A pessoa que o estava lendo fechou-o com um estrondo - e Christabel foi dormir.

Pouco tempo depois, outra pessoa pegou o livro e começou a lê-lo. Então Christabel acordou e se viu no início da história. Depois de tantas aventuras, ela estava bastante cansada e não se sentia inclinada a reiniciá-las. Mas isso era exatamente o que ela tinha que fazer. Ser capturada por piratas não é tão emocionante quando você sabe que só pode escapar deles por um naufrágio frio e úmido; e quando você naufragou, não fica muito ansioso para embarcar para a praia, pois sabe que há um grande número de ferozes selvagens esperando por você!

“Isso é muito cansativo”, pensou Christabel.

Ela ficou muito feliz quando a pessoa que estava lendo o livro fechou-o novamente e ela teve permissão para dormir em paz.

Mas seu sono não foi longo. Cada vez que alguém começava a ler o livro, a pobre Christabel era obrigada a acordar e passar por todos os seus problemas novamente. Ela logo ficou terrivelmente cansada de naufragar.

“Terei que passar o resto da minha vida com piratas e selvagens?” ela se perguntou em desespero.

Era especialmente irritante que fossem sempre os mesmos piratas e selvagens, que sempre diziam exatamente as mesmas coisas. Christabel logo sabia o livro inteiro de cor. Ela desejou às vezes ser um dos piratas, para variar, em vez de ser sempre uma garotinha.

“Suponho que nunca serei uma adulta”, pensou ela com tristeza.

O mais desagradável de tudo é que ela nunca conseguiu dizer o que queria dizer: sempre foi obrigada a dizer o que estava no livro. Às vezes, ela abria a boca para dizer o que estava pensando e depois se pegava falando palavras que não tinham nada a ver com seus pensamentos.

“É simplesmente odioso não poder dizer e fazer o que se gosta”, pensou ela.

Ela decidiu tentar se afogar no próximo naufrágio. Claro que era inútil tentar, pois o livro dizia que ela seria salva por uma grande onda que a jogaria contra uma rocha. Era desconfortável para ela ser salva dessa forma, mas ela não podia evitar. O naufrágio aconteceu da maneira usual, apesar de seus esforços para se afogar; e então, como de costume, ela conheceu os selvagens na Ilha, e logo depois chegou o fim do livro.

Agora, aconteceu desta vez que a pessoa que estava lendo o livro não o fechou de forma alguma, mas o entregou imediatamente a outra pessoa que desejava lê-lo. Isso era realmente demais para o temperamento de Christabel. Ela não tinha dormido e estava decidida a não começar tudo de novo sem um descanso. De repente, ela percebeu que essa era sua única chance - agora, antes do início do primeiro capítulo.

Ela não perdeu tempo. Ela sabia que deveria ficar de pé - o livro dizia que ela estava de pé. Descobrindo, para sua grande alegria, que era capaz de se mover por conta própria, sentou-se calmamente e cruzou os braços. As outras pessoas no livro olharam para ela com surpresa.

“Não adianta olhar para mim desse jeito”, disse ela; "Estou cansada disso. Eu não vou mais dizer as mesmas coisas repetidamente. Se houver algum pirata que gostaria de trocar de lugar comigo, não me importo de ser pirata por um tempo. Mas eu não vou continuar sendo a garotinha. "

Então houve uma algazarra só. Todas as pessoas do livro começaram a falar ao mesmo tempo. Exatamente naquele momento - antes do início do primeiro capítulo - todos foram capazes de dizer o que escolheram.

"Faça-a se levantar!" gritou um.

"Nunca ouvi tanta bobagem!" disse outro.

"Por que ela não pode se comportar como nós?" perguntou um terceiro com raiva.

“A ideia de querer uma mudança!”

"Ela terá que se comportar como as outras pessoas no final."

“Tão descontente!”

“Muito estranho!”

Então eles continuaram, enquanto Christabel continuava sentada calmamente, com os braços cruzados.

"Não vou começar tudo de novo", ela repetiu com firmeza.

“Mas aquele pobre garoto está esperando para começar o livro”, disse alguém; “E não podemos continuar enquanto você se comporta dessa maneira boba.”

“Não posso evitar”, disse Christabel; "Estou cansada de dizer coisas que não quero dizer."

Antes que ela soubesse o que iria acontecer, Christabel se viu no meio de uma terrível turbulência. Todas as pessoas do livro pareciam correr para ela.

Ao longe, ela ouviu uma voz dizendo - “Há algo muito estranho neste livro. Parece tudo confuso, de alguma forma! "

Então houve silêncio, e Christabel percebeu que as pessoas no livro a haviam expulsado! Ela não era mais uma garotinha em um livro, mas uma garotinha na vida real. Ela olhou em volta e viu sua irmã mais velha, ainda escrevendo.

“Não quero mais estar em um livro”, disse Christabel. “A vida real é melhor. Na vida real, pode-se pelo menos dizer o que se pensa de si mesmo, em vez de sempre dizer o que as outras pessoas pensam. ”

“Não tenha tanta certeza disso”, disse sua irmã mais velha.


FIM



"Uma menininha em um livro" (A little girl in a book), do livro "Fadas que eu encontrei" (Fairies I have met), de Maud Stawell e ilustrações de Edmund Dulac, 1907, disponível para download no original em inglês no Projeto Gutenberg.



quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Conto: "O copinho de Nossa Senhora" - Irmãos Grimm

Encontrei esse conto num site maravilhoso, com centenas de estórias recolhidas pelos irmãos Grimm. 

O copinho de Nossa Senhora


Certa vez um carro, transportando um pesado carregamento de vinho, atolara-se e, por mais esforços que empregasse, o carroceiro não conseguia tirá-lo do atoleiro.

Justamente nesse momento, ia passando por lá Nossa Senhora que, vendo a aflição em que se encontrava aquele pobre homem, lhe disse:

- Estou cansada e com sede; dá-me um copo de vinho. Eu tirarei teu carro desse atoleiro.

- Com todo o gosto! - respondeu o homem; - infelizmente, porém, não tenho copo para dar-lhe o vinho.

Então Nossa Senhora colheu uma florzinha branca listadinha de vermelho, chamada campânula e que tem o formato de um copinho, e apresentou-a ao carroceiro para que a enchesse.

O carroceiro encheu de vinho a flor e Nossa Senhora bebeu-o. No mesmo instante, o carro desatolou-se e o carroceiro pôde continuar a jornada.

Desde então, a pequena campânula ficou sendo denominada Copinho de Nossa Senhora.

Ouça a estória "O galo rouco e o rato esperto", da Cigana Contadora de Estórias!

Apresentações de contadores de estórias

Palavra Cantada - O rato
Clara Haddad - O coelho e o baobá

Cia Ópera na Mala - A sopa de pedras do Pedro

Cia Ópera na Mala - Pedro Malazartes e o pássaro raro

Eventos & Cursos

A atualizar