quarta-feira, 24 de julho de 2019

Conto: "A vinha de Noé"

Este conto vem do livro Cuentos y leyendas de los hebreos, de Axelle Hutchings e ilustrações de Aurore Petit, (Madrid: Actes Sud, 2014). A tradução e adaptação são dessa cigana aqui.


"Depois do dilúvio, Noé teve que voltar a plantar os pomares que haviam sido inundados. Era um bom lavrador. As romãs já estavam dando seus frutos, cujo suco agridoce servia para acalmar a sede de pastores e caravaneiros. As amendoeiras estavam coalhadas de flores brancas e nas macieiras apareciam os primeiros brotos. Noé plantou então a vinha. 
Já se havia passado um tempo trabalhando em seus pomares quando apareceu Satanás no alto da colina. Ele se encarapitou em um monte de pedras e perguntou a Noé:
- Por que você se esforça tanto? Que penoso trabalho você se impôs dessa vez? Deus te tocou com sua graça e livrou o homem e a sua descendência de sua cólera divina! Você salvou do dilúvio todo o reino animal: do inseto mais daninho ao mamífero mais majestoso. O que mais você quer?
- Desça dessas pedras - respondeu Noé sem olhar para seu interlocutor.
Satanás obedeceu cravando seu olhar no homem:
- De acordo. Mas me diga o que está fazendo.
- Estou plantando um vinhedo - respondeu Noé.
- Por quê? - voltou a perguntar Satanás.
Noé se ergueu, enxugou o rosto com a ponta de sua comprida túnica e indicou:
- Porque o fruto da vinha é valioso. Alegra o coração do homem e é saudável tanto para a alma quanto para o corpo.
Satanás quis aproveitar a ocasião: "Esta planta, lhe digo, será minha. Graças a ela, vou encher o inferno de gente..."
E então propôs a Noé com malícia:
- Vou te ajudar. Você já conquistou com sobra o direito de descansar.
- De acordo, - disse Noé. Busca um bom adubo para alimentar esta terra árida.
- Confia em mim! Eu saberei onde encontrar o que seja preciso. Terás um solo fértil e tuas vinhas se dobrarão com o peso das uvas.
Satanás foi buscar um cordeiro. Sacrificou o animal ao pé da primeira vinha e derramou o  seu sangue pelo solo. Para a segunda planta, escolheu um leão, para a terceira, um porco. E, finalmente, um macaco teve a mesma sorte na quarta planta.
O adubo de Satanás surtiu o efeito desejado: a vinha de Noé produziu ramos vigorosos.
Os ramos carregaram pesados cachos. 
Fizeram a colheita, pisaram a uva e encheram os tachos. Era a primeira colheita depois do dilúvio e a celebraram com alegria. Tiraram a primeira bebida dos cântaros e com ela encheram as taças. Da taça à boca, o vinho soltava a língua e travava amizades, pois o primeiro vinho seguia manso como um cordeiro. Da boca ao estômago, o vinho despertava a animosidade, pois o segundo vinho vinha briguento como o leão. Do estômago à terra, o vinho sujava o solo, pois o terceiro vinho fazia chafurdar na lama como os porcos. Com o quarto se faziam bobagens, davam-se saltos ao redor das tendas do acampamento, soltando palavras sem sentido, como os macacos.
E assim é como, desde então, a gente bebe, junto com o vinho, os defeitos do animais cujo sangue se mesclou com a vinha. Ali, onde Satanás não pode chegar, ele envia o vinho como mensageiro, povoando assim o inferno."


quarta-feira, 17 de julho de 2019

Conto: "Em busca dos óculos dourados"

Este delicioso conto veio da revista StoryBox, da editora francesa Bayard, voltada para crianças. A autoria é de Karine Dupont-Belrhali, com ilustrações de Judith Gueyfier. A tradução e adaptação é desta contadora de estórias 😊

"Todo dia pela manhã, Aisha e suas amigas iam ao rio lavar roupa. 
Elas estendiam tudo para secar e então pulavam e brincavam na água.
Os macacos em cima das árvores comiam amendoim e observavam as meninas. 
Todo dia pela manhã, Aisha passava pela escola. 
Ela sempre olhava pela janela e via o professor usando seus óculos dourados.
Ele lia em voz alta as palavras que tinha escrito no quadro. 
Todos os meninos prestavam atenção nele.
Aisha tentava ler mas ela só conhecia algumas letras.
"T... T... T..."
Na aldeia de Aisha, as meninas não iam para a escola. Era assim que era.
Então um dia, depois da sesta, Aisha ouviu uma voz gritando:
"Socorro, ladrão! Alguém roubou meus óculos dourados!"
Era a voz do professor.
Os aldeões amontoavam-se ao seu redor.
Ele estava muito chateado.
"Eu não posso ficar sem meus óculos! Vão para casa, meninos, a escola está fechada. Ohhh... meus óculos preciosos! Eu darei a quem achá-los o que essa pessoa quiser".
"Pobre professor", pensou Aisha. "Eu vou ajudá-lo a encontrar seus óculos..."
Aisha perguntou, "Onde o senhor deixou seus óculos, professor?"
O professor se encaminhou para sua mesa.
"Eles estavam aqui antes de eu tirar minha soneca!"
"Olhe! O ladrão deixou marcas de mão!", disse Aisha. "Isso vai nos ajudar a encontrar quem roubou seus óculos!"
De repente, ela percebeu algo.
"Amit!", ela chamou um menino. "Você pegou os óculos durante a sesta!"
"Hmmm... Amit está sempre pregando peças!", disse o professor.
"Nao fui eu!", disse Amit.
"Eu pus minhas mãos na mesa mas não roubei nada! Eu estava ocupado durante a sesta!"
"Verdade?", perguntou Aisha. "Ocupado fazendo o quê?"
Amit se debruçou na janela e apontou.
"Eu estava ajudando meu pai a pintar seu barco!"
"Obrigado, filho!", disse o pai de Amit.
"Ok, você não é o ladrão", disse Aisha. "Mas talvez você possa me ajudar... De quem é este lenço?"
"É da Goldie!", disse Amit. "Ela vem limpar o quadro-negro todo dia".
"Goldie", pensou Aisha. "Ela adora tudo que brilha feito ouro! Talvez ela tenha pego os óculos do professor..."
"La está ela!", gritaram os meninos.
Amit disse, "Goldie, onde você estava durante a sesta?"
"Eu tive que ir ao rio", disse Goldie. "Eu tirei meu lenço para que limpar o quadro, mas precisei de mais água. O rio parecia tão fresquinho e limpo que não resisti e dei um mergulho nele!"
Ela deu uma torcida no cabelo ainda pingando água.

"Ela está dizendo a verdade, ela não estava aqui!", disse Aisha.
"Ei, olhem! Uma trilha de migalhas! Vamos segui-la!"
A trilha continuava bem pelo meio da aldeia e terminava na padaria.
Amit disse para Aisha, "Você acha que foi a padeira?"
"Ela é uma mulher bem idosa", disse Aisha. "Ela provavelmente precisa de óculos!"
A padeira nem prestou atenção nas crianças. Ela apenas continuava mexendo sua mistura para bolo.
Aisha mordiscou um biscoito crocante e disse:
"Com licença! A senhora entregou bolos na escola no horário da sesta?"
A padeira se virou e disse, "Eu subi a colina para a cidade nesta hora. Fui comprar açúcar. Vejam, o motor da minha motocicleta ainda está quente! Agora, deixem-me continuar meu trabalho. Ainda tenho que assar esses bolos!"
Aisha voltou para a escola se sentindo desapontada.
O professor ainda estava na sala de aula.
"Meus óculos, meus óculos preciosos...", lamentava ele.
"O senhor aceita um amendoim, professor?", Aisha ofereceu.
"Obrigado, mas eu nunca como amendoim", disse ele.
"Amendoins!", berrou Aisha. "Claro! Eu sei onde seus óculos estão, professor!"
Aisha correu para o rio. Ela subiu no galho mais alto de uma árvore. Rishi, um macaco já idoso, estava abrindo a casca de um amendoim. No nariz dele estavam... os óculos! Oba!
Aisha adorava Rishi. 
Ela falou suavemente com ele, "Você pode me devolver os óculos? O professor precisa deles".
Ela os pegou e Rishi gentilmente deu tapinhas na sua cabeça.
"Obrigada, querido Rishi!", disse Aisha, sorridente.
Ela levou os óculos dourados para o professor.
"Muito bem!", disseram os aldeões.
O professor disse, "Muito obrigado, minha jovem! Como você encontrou o ladrão?"
Aisha explicou, "Eu vejo Rishi comendo amendoins no rio todo dia. Havia alguns sobre sua mesa, professor! Rishi é muito curioso. Ele deve ter descido pela janela da escola. Quando viu seus brilhantes óculos dourados, ele os pegou!"
O professor sorria feliz. "Diga-me o que quer que eu te darei".
Aisha sussurrou em seu ouvido.
"Este é um presente muito peculiar", disse o professor. "Mas... porque não?"

No próximo dia, Aisha e as outras meninas se juntaram aos meninos na escola.
O professor usava seus óculos dourados e lia em voz alta as palavras que tinha escrito no quadro.
"Quem quer ler agora?", ele perguntou.
Aisha levantou a mão.
"Eu!", disse ela.
Ela e as outras meninas estavam muito felizes de estarem na escola!
FIM"


segunda-feira, 1 de julho de 2019

Conto: "O camponês que vendia pensamentos"

Este conto, traduzido do espanhol por mim, foi escrito por Reine Cioulachtjian e faz parte do livro "Cuentos y leyendas de los armenios". A ilustração é de Catharine Chardonnay.

"Era uma vez um camponês cujo único bem era uma vaca, mas ela não lhe dava mais leite. Ele decidiu, então, vendê-la no mercado da cidade, onde recebeu cem rublos por ela.
Quando voltou para casa, encontrou um homem idoso que anunciava em voz alta:
- Vendo pensamentos! Pensamentos! Excelentes pensamentos!
- Que pensamentos são esses, irmão? perguntou o camponês, perplexo.
- Pensamentos de ouro, que ajudarão você a fazer o seu caminho nesta vida, que irão protegê-lo de infortúnios e até mesmo torná-lo rico. 
O camponês sempre estivera convencido de que um dia a sorte sorriria para ele e que, de repente, ficaria rico, como nas histórias. E ele pensou que o homem que vendia pensamentos era a oportunidade que ele não deveria deixar escapar.
-Quanto custa um desses pensamentos?
-Como vejo que você é pobre, eu vou lhe vender um bem barato: cem rublos.
-Muito bem. Aqui estão os cem rublos. Dê-me o pensamento.
E, sem hesitar por um momento, o camponês deu ao velho todo o dinheiro que recebera com a venda da vaca. O velho colocou o dinheiro no bolso e sussurrou ao seu ouvido: "Você colherá o que plantou. Esse é o pensamento ". E então desapareceu.
“O que será que ele quis dizer?”, o camponês se perguntou. "Eu conheço todos os provérbios, conselhos e ditos que existem, mas nunca me ocorreu que eu poderia ganhar dinheiro com qualquer um deles. Eu vou tentar vender para outra pessoa ". E começou a gritar:
- Vendo pensamentos, pensamentos valiosos! Pensamentos de ouro!
Mas ninguém prestou atenção nele. Alguns até o tomaram como um louco e riram dele sem nenhum pudor:
- Você viu? Como ele acha que tem muitos pensamentos, ele quer nos vender um pouco.
- Ei, você, saco de maldades! Se tem tantos pensamentos valiosos, por que é pobre?
Mas o camponês não perdeu a esperança e continuou gritando pelas ruas:
- Vendo pensamentos! Pensamentos valiosos! Pensamentos de ouro!
Então ele acabou chegando aos portões do palácio real. O rei, divertido, viu de sua sacada como aquele camponês ingênuo tentava em vão vender pensamentos aos cidadãos sabidos. Ele sentiu pena dele e o chamou.
- Diga-me, amigo, como é esse pensamento que você vende?
-É um pensamento muito útil, majestade.
-E quanto custa?
- Cem rublos.
- Tome cem rublos e me dê esse pensamento aqui, disse o rei.
O camponês guardou o dinheiro e disse ao rei cheio de mistério:
- Você colherá o que plantou. Esse é o pensamento. E viva o rei!
- Como? exclamou este. Você vai ganhar cem rublos por cinco míseras palavras?
- Que viva o rei! Eu, que sou muito pobre, paguei por esta simples frase cem rublos. Vossa Majestade teria que pagar mil.
-Diga-me, e por quê?
- Dirijo a vida de uma única família, majestade, enquanto Vossa Alteza dirige a vida de um país inteiro. É por isso que precisa de um pensamento tão vasto quanto o mar.
- Parece justo para mim", disse o rei. - Governar requer muito pensamento e muita sabedoria. Mas o que você me vendeu representa apenas uma pequena gota de sabedoria ...
-Muito certo, meu rei. Mas o mar é feito de gotas. Um homem inteligente deve estar sempre aprendendo. Os mares terminam em algum lugar, eles têm um limite. A sabedoria é ilimitada.
- Que tenhas uma vida longa, camponês. Você diz coisas muito sábias. Agora volte para sua casa, mas venha me ver de vez em quando. Conversaremos e recompensarei seu sábios conselhos.
O rei apreciou muito as palavras do camponês e frequentemente as dizia aos seus cortesões e seus servos. Certa manhã, quando seu barbeiro ia aparar-lhe a barba, o rei disse num tom muito sério:
- Você colherá o que você plantou. Compreende bem o significado dessas palavras, barbeiro: "Você colherá o que plantou".
Com essas palavras, o barbeiro começou a tremer. Sua longa e afiada navalha caiu de suas mãos e ele caiu de joelhos diante do rei, implorando:
-Perdão, meu rei, perdoe o seu escravo. Sou inocente. Eles me forçaram ... Eu juro que não queria fazer isso ...
O rei ficou petrificado. Levantou-se e sacudiu o barbeiro.
-O que eles forçaram você a fazer? E quem? Fala!
-Eles queriam que eu cortasse sua garganta ... Mas eu não ia podia fazer isso.
Foi assim que o rei descobriu a conspiração que havia sido armada contra sua vida. Os traidores receberam a punição merecida. Quanto ao camponês que vendia pensamentos, toda vez que ele se apresentava no palácio, o rei o recebia gentilmente e sempre o recompensava.
- Você salvou minha vida, sábio camponês, disse ele.
A partir daquele dia, os provérbios populares foram considerados pérolas de sabedoria e desde então passam de boca em boca e de geração em geração para que cheguem intactos aos nossos filhos."

Ouça a estória "O galo rouco e o rato esperto", da Cigana Contadora de Estórias!

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Palavra Cantada - O rato
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