PROJETO DE LEI DO SENADO
Nº 212, DE 2016
Institui a Política Nacional de Leitura e Escrita.
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Leitura e Escrita como estratégia permanente para promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas de acesso público no Brasil.
Parágrafo único. A Política Nacional de Leitura e Escrita será implementada pela União, por intermédio do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e com a participação da sociedade civil e de instituições privadas.
Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Leitura e Escrita:
I – a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas;
II – o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito, possibilitando a todos, inclusive por meio de políticas afirmativas, as condições de exercer plenamente a cidadania, viver uma vida digna e contribuir na construção de uma sociedade mais justa;
III – o fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, no âmbito do Sistema Nacional de Cultura;
IV – a articulação com as demais políticas de estímulo à leitura, ao conhecimento, às tecnologias e ao desenvolvimento educacional, cultural e social do país, especialmente com a Política Nacional do Livro, instituída pela Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003; e
V – o reconhecimento da cadeia criativa, produtiva, distributiva e mediadora do livro, da escrita, da leitura e das bibliotecas como integrantes fundamentais e dinamizadoras da economia criativa.
Parágrafo único. A Política Nacional de Leitura e Escrita observará, no que couber, princípios e diretrizes de planos nacionais estruturantes, especialmente do:
I – Plano Nacional da Educação;
II – Plano Nacional de Cultura; e
III – Plano Plurianual da União - PPA.
Art. 3º São objetivos da Política Nacional de Leitura e Escrita:
I – democratizar o acesso ao livro e aos diversos suportes da leitura por meio de bibliotecas de acesso público, dentre outros espaços de incentivo à leitura, de forma a ampliar os acervos físicos e digitais e as condições de acessibilidade;
II – fomentar a formação de mediadores de leitura e fortalecer ações de estímulo à leitura, por meio da formação continuada em práticas de leitura para professores, bibliotecários, agentes de leitura, dentre outros agentes educativos, culturais e sociais;
III – valorizar a leitura e o incremento de seu valor simbólico e institucional por meio de campanhas, premiações e eventos de difusão cultural do livro, da leitura, da literatura e bibliotecas;
IV – desenvolver a economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao fortalecimento da economia nacional por meio de ações de incentivo para o mercado editorial, livreiro, feiras de livros e eventos literários, de aquisição de acervos físicos e digitais para bibliotecas de acesso público;
V – promover a literatura e as humanidades e o fomento aos processos de criação, formação, pesquisa, difusão e intercâmbio literário e acadêmico em território nacional e no exterior, para autores e escritores, por meio de prêmios, intercâmbios e bolsas, dentre outros mecanismos;
VI – fortalecer institucionalmente as bibliotecas de acesso público, com qualificação de espaços, acervos, mobiliários, equipamentos, programação cultural, atividades pedagógicas, extensão comunitária, incentivo à leitura, capacitação de pessoal, digitalização de acervos, empréstimos digitais, dentre outras ações;
VII – fomentar pesquisas, estudos e indicadores nas áreas do livro, leitura, escrita, literatura, bibliotecas com vistas a fomentar a produção de conhecimento e de estatísticas como instrumentos de avaliação e qualificação das políticas públicas do setor;
VIII – promover a formação profissional no âmbito das cadeias criativa e produtiva do livro e mediadora da leitura, por meio de ações de qualificação e capacitação sistemáticas e contínuas;
IX – incentivar a criação e implantação de planos estaduais e municipais do livro e da leitura, em fortalecimento ao Sistema Nacional de Cultura; e
X – incentivar a expansão das capacidades de criação cultural e de compreensão leitora por meio do fortalecimento de ações educativas e culturais focadas no desenvolvimento das competências de produção e interpretação de textos.
Art. 4º Para consecução dos objetivos da Política Nacional de Leitura e Escrita será elaborado, a cada quadriênio, o Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL, que estabelecerá metas e ações, nos termos do regulamento.
§ 1º O PNLL será elaborado até o fim do primeiro ano de mandato do Chefe do Poder Executivo, com vigência para o quadriênio conseguinte.
§ 2º O PNLL será elaborado em conjunto pelo Ministério da Cultura e o Ministério da Educação de forma participativa, assegurada a manifestação do Conselho Nacional da Educação, do Conselho Nacional de Políticas Culturais, de representantes de secretarias estaduais e municipais de cultura e de educação, da sociedade civil e do setor privado.
§ 3º O PNLL deverá viabilizar a inclusão de pessoas com deficiência, observadas as condições de acessibilidade e o disposto nos acordos, convenções e tratados internacionais que visem a facilitar o acesso de pessoas com deficiência a obras literárias.
Art. 5º O Prêmio VIVALEITURA será concedido no âmbito da Política Nacional de Leitura com o objetivo de estimular, fomentar e reconhecer as melhores experiências que promovam o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas, nos termos do regulamento.
Art. 6º Ato conjunto do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A leitura, a escrita e a literatura são elementos indissociáveis e fundamentais para o desenvolvimento humano. Por meio da leitura e da escrita, homens e mulheres são capazes de criar uma nação que compreende seus desafios e busca soluções para a construção de um país justo, sustentável e democrático. A leitura e a escrita é, em todos os sentidos, um dos vetores mais importantes para a inclusão social, econômica, educacional e cultural dos cidadãos de um país, entre outras razões, por ser requisito básico em incontáveis e indispensáveis operações cotidianas, das mais simples às mais complexas.
Nesses termos, a experiência da leitura é uma prática social e cultural de apropriação, interpretação e criação de sentidos/significados do mundo e da vida em sociedade que deve ser compreendida como um direito que permite o exercício pleno da democracia e da construção da cidadania.
Além disso, por serem absolutamente transversais, os impactos positivos e duradouros da leitura e da escrita são encontrados em praticamente todas as dimensões relevantes da vida individual e coletiva. Com leitura são formados cidadãos mais críticos, autônomos e mais bem qualificados; são construídas organizações e instituições – públicas ou privadas e do terceiro setor – mais eficientes, eficazes, inovadoras e responsáveis; enfim, consolidam-se comunidades, bairros, cidades e sociedades mais justas, solidárias e autônomas. Neste sentido, o letramento pleno, a leitura e a escrita, estão inescapavelmente no centro da agenda do desenvolvimento das nações, especialmente no Brasil em sua acertada luta contra as desigualdades. A leitura é a chave mestra para a mobilidade social e o desenvolvimento pleno. Um país sem miséria, uma Pátria Educadora, se afirma com uma política pública de leitura plena, mobilizadora, inclusiva, que possibilita a democratização das oportunidades de modo duradouro em nosso país. A leitura e a escrita, assim proclamam os militantes do livro, da leitura, da literatura e das bibliotecas, é a chave de todos os direitos humanos na sociedade contemporânea, reconhecida como a da informação e conhecimento.
Os últimos 13 anos foram marcados por sucessivos avanços na política pública do livro, leitura, literatura e bibliotecas em nosso país. Neste período, tivemos a primeira formalização da Política Nacional do Livro, consubstanciada na Lei do Livro, Lei no 10.753, de 30 de outubro de 2003, que estabelece diretrizes para esta política.
A partir dos movimentos deflagrados para a aprovação da Lei do Livro, o Brasil conquistou mais um importante avanço no processo de institucionalização de sua política de livro e leitura. Podemos afirmar que a partir de 2003 um novo e consistente processo de construção pública de conceitos, objetivos e metas estratégicas para transformar o Brasil em um país de leitores, floresceu. E o desenvolvimento deste período marcado por centenas de debates entre o poder público e a sociedade civil desembocou em 2006 no Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Este processo envolveu acúmulos em diversas frentes.
O PNLL traduz o aprendizado e o acúmulo conceitual e prático de experiências históricas no campo do desenvolvimento do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil, que nos remontam às primeiras iniciativas editoriais no país, bem como à criação e extinção do Instituto Nacional do Livro – INL. A participação ativa de lideranças tão expressivas como Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Augusto Meyer, Paulo Freire e Affonso Romano Sant’Anna são referências para a construção de programas, ações e instituições vitais para a leitura em nosso país. Cumpre nomear algumas das diversas iniciativas que embasaram o Plano: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), o fórum da Câmara Setorial do Livro, Leitura e Literatura, o Projeto Fome de Livro (iniciativa do MEC/Biblioteca Nacional), o Programa Nacional do Livro no Ensino Médio (PNLEM), o Programa de Formação do Aluno e do Professor Leitor e o Vivaleitura – Ano Ibero-americano da Leitura (2005). Merece especial ênfase, também, a contribuição oferecida pelo Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) que, ao agregar experiências de projetos de fomento à leitura de todo o país, e por sua ativa promoção de oficinas, cursos, palestras e eventos artístico-culturais que forneceu importantes subsídios para o debate em questão. Nesse mesmo contexto de iniciativas que embasaram o Plano, o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) tem um papel fundamental no que tange à meta de implantação e modernização de bibliotecas públicas nos municípios brasileiros.
No front internacional, o PNLL se baseou nos objetivos acordados pelos chefes de Estado Ibero-americanos, que aprovaram em 2003, durante o XIII Cumbre Iberoamericano em Santa Cruz de La Sierra, a proposta apresentada pelo Centro Regional para o Fomento ao Livro e à Leitura (Cerlalc/UNESCO) e da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI) para que o ano de 2005 se constituísse no Ano Ibero-Americano da Leitura – VIVALEITURA. Os objetivos do VIVALEITURA tinham um eixo comum, que se impôs como meta permanente para todos os seus países: a democratização do acesso à leitura; a construção de uma resposta altiva por parte das nações ibero-americanas ao direito fundamental de ler e escrever. Hoje, o Plano Nacional do Livro e Leitura do Brasil compõe a Rede Regional de Responsáveis de Políticas e Planos Nacionais de Leitura – Redplanes, coordenada pelo Cerlalc/UNESCO.
O Plano Nacional do Livro e Leitura é um genuíno “pacto social” no Brasil, resultado de iniciativas de organizações da sociedade civil e de cidadãos envolvidos na cadeia criativa, produtiva, distributiva e mediadora da leitura, além de ter recebido contribuições oriundas de planos e iniciativas promovidas por governos estaduais e municipais. Assim, desde iniciativas individuais – que convertem automóveis, bicicletas, barcos ou jegues em meios de transporte para minibibliotecas itinerantes – passando por experiências da sociedade civil em espaços e contextos diversos – praças, parques, estações, hospitais, presídios, centros comunitários e culturais – e em áreas urbanas e rurais de vulnerabilidade social que são convertidas em ambientes favoráveis para o acesso ao livro e a formação de leitores. Nessa mesma lógica, gestores e dirigentes públicos no campo da cultura e da educação vêm desenvolvendo planos estaduais e municipais que tiveram ousadia de instalar a agenda como pauta prioritária em seus programas de desenvolvimento. O PNLL é o fruto dessa sabedoria e desta militância coletiva, enraizada nos mais diferentes territórios do país, em defesa dos benefícios civilizados, coletivos e individuais associados à leitura, à escrita, à literatura, ao livro e às bibliotecas.
Além de contar com este compromisso internacional e com o suporte de muitas experiências históricas da luta pela leitura no Brasil, o Plano Nacional do Livro e Leitura também é o resultado do firme compromisso do Governo brasileiro com a construção participativa de políticas públicas. Deste modo, sob a coordenação dos Ministérios da Cultura e da Educação, foram realizadas mais de 150 reuniões públicas em todo o País entre os anos de 2005 e 2006 com o intuito de construir o PNLL. Participaram ativamente deste debate educadores, bibliotecários, artistas, lideranças empresariais dos setores público e privado, representantes sindicais, representantes de toda a cadeia produtiva do livro – entre escritores, editores, livreiros, distribuidores, gráficas, fabricantes de papel, administradores e outros profissionais do livro -, parlamentares, dirigentes e gestores públicos federais, estaduais e municipais, representantes de universidades e de instituições de ensino, membros do Ministério Público, especialistas em livro e leitura, estudantes, representantes comunitários, representantes de portadores de deficiências, de movimentos sociais e de organizações da sociedade civil, regiões do país que aportaram suas contribuições e suas convicções para a construção desde Plano, e que o transformam numa base das mais belas experiências de construção democrática e participativa de uma política pública em nosso país.
O Plano Nacional do Livro e Leitura teve a sua primeira institucionalização oficializada pela Portaria Interministerial no 1.442, de 10 de agosto de 2006, editada conjuntamente pelos Ministérios da Cultura e da Educação. Posteriormente, o PNLL passou a ser regido pelo Decreto no 7.559, de 1o de setembro de 2011. As mencionadas regulamentações referendaram a organização do PNLL com base em quatro eixos: I. a democratização do acesso ao livro; II. a formação de mediadores para o incentivo à leitura; III. A valorização da leitura e comunicação (que foi redefinido como a “Valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico” a partir da revisão do Plano, ocorrida em 2010); e IV. O desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional. Além de ter definido dezoito linhas de ação associadas aos mencionados eixos e uma série consistente de princípios norteadores que fundamentam o Plano. Entretanto, propomos a institucionalização de uma política vitoriosa, avançando no que se faz necessário, por meio do presente Projeto de Lei do Senado. Com a instituição da Política Nacional de Leitura e Escrita – PNLE, e o reconhecimento do PNLL como ação de governo integrante e necessária desta política de alcance nacional, dá-se mais um passo decisivo para a consolidação dos objetivos já praticados no PNLL como uma política pública do Estado brasileiro, fundado em critérios e procedimentos republicanos, construído e implementado de modo participativo, colaborativo e federativo, com vistas a garantir organicidade e sinergia entre as iniciativas das organizações da sociedade civil, dos governos federal, estaduais e municipais, das empresas públicas e privadas e de voluntários em geral.
Este Projeto de Lei tem como uma das suas principais orientações garantir as bases institucionais para aperfeiçoar a implementação das políticas, programas e iniciativas conduzidas por diferentes atores, sempre orientando-se pela necessária parceria, complementaridade e sinergia entre as iniciativas e seus responsáveis.
Deste modo, o arranjo federativo foi priorizado para consolidarmos as bases institucionais de formulação e implementação da Política Nacional de Leitura e Escrita baseada na experiência e operacionalidade apresentada pelo PNLL: exigência que um PNLL seja criado a cada período presidencial subordinado aos ditames da PNLE; estímulos para a geração de Planos Estaduais e Municipais do Livro e da Leitura articulados com o Plano Nacional, assim como para a configuração de equipes, a dotação de orçamentos e de unidades gestoras municipais e estaduais para o setor. No mesmo sentido, este PL também reforça as responsabilidades do governo federal por seus dois ministérios mais diretamente envolvidos com a agenda.
Para dar suporte ao Plano, este PL estimula que municípios, estados, governo federal, além de empresas públicas e privadas e instituições do terceiro setor explicitem orçamentos compatíveis com o financiamento continuado e sinérgico do conjunto de iniciativas previstas no PNLL.
A PNLE reconhece que a universalização da alfabetização plena e das práticas leitoras é uma tarefa comum para gestores públicos, privados e para a sociedade civil em todo o território nacional. Deste modo, o modelo de governança dos PNLL, a serem instituídos a cada quadriênio presidencial conforme determina a PNLE neste PL inova em relação aos modelos de governança previstos nos instrumentos normativos anteriores também por ampliar a participação dos diferentes atores e segmentos sociais envolvidos em sua formulação, implementação e avaliação. Os PNLL serão uma agenda de interesse coletivo e os seus modelos de governança e de gestão devem expressar esta multiplicidade de atores responsáveis por sua elaboração e execução.
Este PL configura, enfim, as bases institucionais para superarmos o caráter descontinuado e pulverizado com que as iniciativas de estímulo à leitura têm sido historicamente implementadas em nosso país. Assim sendo, a Política Nacional da Leitura e Escrita passa a ser a referência para que avancemos ainda mais, sendo o fundamento para a superação de outros importantes desafios, como a criação e operacionalização de recursos financeiros para fomentar os programas derivados e a configuração de instituições nos estados e municípios compatíveis com a agenda aberta por esta política de Estado. São desafios a serem superados no caminho para a universalização do acesso à leitura plena em nosso país.
Sala das Sessões, de maio de 2016.
FÁTIMA BEZERRA
Senadora da República (PT – RN)
Senadora FÁTIMA BEZERRA
LEGISLAÇÃO CITADA
Decreto nº 7.559, de 1º de Setembro de 2011 - 7559/11
Lei nº 10.753, de 30 de Outubro de 2003 - 10753/03
(À Comissão de Educação, Cultura e Esporte, em decisão terminativa)