Ler é tudo de bom! |
Criado em 1967 pela Organização
das Nações Unidas (ONU) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), o Dia Mundial da Alfabetização se propõe a
debater como os países estão atuando no combate ao analfabetismo. Compreenda-se
aqui que alfabetização não é somente o processo de aprender a ler e a escrever,
a fazer operações simples de matemática. É também o aprender a decodificar o
mundo ao nosso redor, a lidar de forma plena com o nosso cotidiano, a observar
o que nos cerca e fazer a nossa leitura, passando também pela participação
cidadã, pela preocupação com o meio ambiente, com o consumo consciente.
E nesse quesito a humanidade está
em uma defasagem absurda. Segundo pesquisa divulgada pela ONU, por ocasião do
Dia Mundial da Alfabetização em 2014, 781 milhões de adultos no mundo inteiro ainda
não sabem ler, escrever ou contar. Desses 781 milhões, dois terços são
mulheres. Ou seja, mais de 520 milhões de mulheres. Como se não já fosse ruim o
bastante, a UNESCO também disse que mais de 250 milhões de crianças não conseguem
ler “uma simples frase, ainda que metade delas tenha passado quatro anos na
escola”. Essa fala é da militante búlgara Irina Bokova, diretora-geral da
entidade, que acrescenta: “Que tipo de sociedades esperamos construir com uma
juventude analfabeta? Esse não é o mundo em que desejamos viver. Queremos um
mundo onde todos possam tomar parte nos destinos de suas sociedades, ter acesso
ao conhecimento e, por sua vez, enriquecê-lo”. Como podemos mudar o mundo,
torná-lo mais justo e inclusivo, se nem conseguimos entender o que se passa ao
nosso redor? Como fazer escolhas conscientes se “o que entra por um ouvido sai
pelo outro”, sem deixar nada no meio?
Aqui no Brasil, a despeito de
esforços muito pontuais de políticas públicas incipientes, e as meritórias iniciativas
de escolas e mestres que vão além do que se espera deles, pouco avançamos desde
que os portugueses tocaram o terror em nossa Terra de Vera Cruz. A estrada que
temos a percorrer para conseguir nos libertar dessa secular escravidão da
ignorância ainda é longa.
Ainda que o acesso à educação –
tanto pela construção de mais creches e escolas quanto por louváveis políticas
de inclusão no sistema de ensino – tenha melhorado, isso não significa que a
educação tenha avançado tanto quanto gostaríamos. A evasão escolar , principalmente
na rede pública, ainda é absurda. Segundo o Relatório de Desenvolvimento 2012 do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), “um em cada quatro
alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de
completar a última série”. Os motivos para isso são vários e não nos cabe
discutí-los aqui. O que importa é que, de acordo com esse resultado, somos o terceiro
país, entre os 100 com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em evasão
escolar. Ficamos atrás apenas da Bósnia Herzegovina e das ilhas caribenhas de
São Cristovam e Névis. Fala sério!
“Um país se faz com homens e
livros", disse o mestre visionário Monteiro Lobato há quase cem anos.
Desde a Imprensa Régia de D. João VI, livro é um artigo que não nos falta, apesar
do altíssimo custo de produção – mas os sebos estão aí para facilitar a nossa
vida. Mas e os leitores? O Instituto Pró-Livro saiu às ruas, em mais uma edição
de sua pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” e foi ouvir sobre os hábitos de
leitura das pessoas. Metade dos entrevistados disse que não lê livros porque não
consegue compreender bem o que está escrito. E olhe que essas pessoas são
tecnicamente alfabetizadas.
Então, o que fazer? Aí entra a
promoção da leitura, através principalmente da contação de estórias e do
reconto em casa e em sala de aula. Disso eu entendo bem, afinal é o que venho
fazendo há mais de 15 anos. Como professora de inglês de uma das mais
conceituadas escolas do Brasil, percebi o ganho real em termos de aquisição de
vocabulário, compreensão de texto, desenvoltura e relacionamento interpessoal
que meus alunos – crianças de 9 a 11 anos - tiveram ao serem expostos com
frequência à contação de estórias e a serem incentivados a fazerem o seu
reconto, a buscarem livros na biblioteca e a trazê-los para apresentá-los em
sala de aula. Dessa forma, o antes temido e alienígena objeto chamado ‘livro’
transformou-se em um amigo próximo, um Portal das Maravilhas, através do qual
tudo é possível.
Que tal investirmos mais nisso?
Alfabetizar é necessário, mas
melhor ainda é propiciar o letramento, a aquisição de saberes e habilidades
essenciais ao pleno exercício da cidadania do nosso povo. Para isso, as escolas
precisam se revolucionar, “ousar” em experimentar práticas mais amplas, além do
que apregoa o método isso ou aquilo. Mas o trabalho não é só da escola. É dos
pais, em casa, que precisam tirar um pouco do seu tempo e contar estórias para
suas crianças. É da prefeitura, do governo do Estado, do governo federal, que
têm por obrigação fomentar e oferecer bons eventos culturais gratuitos ao povo.
Formar cidadãos plenos é um trabalho conjunto e responsabilidade de todos.
“A alfabetização não apenas muda
vidas, ela também as salva”, defende Irina Bokova, a primeira mulher a dirigir a
UNESCO, eleita em 2009 e reeleita em 2013. Militante ativa contra o racismo e o
semitismo, Bokova também defende o combate ao analfabetismo como estratégia
essencial para uma vida melhor para todos. “A alfabetização ajuda a reduzir a
pobreza e permite que as pessoas consigam empregos e obtenham maiores salários.
A alfabetização facilita o acesso ao conhecimento e desencadeia um processo de
empoderamento e autoestima que beneficia a todos. Essa energia, multiplicada
por milhões de pessoas, é essencial para o futuro das sociedades”, diz ela. Eu
acredito nisso e faço a minha parte. E você, o que faz para ajudar nessa luta?
Aceita uma sugestão? Leia um livro para uma criança. Já será um excelente
começo.
*Gabriela
Kopinits é jornalista, escritora e contadora de estórias.
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