sábado, 9 de março de 2019

Estórias em Barcelona


Conto adaptado da narração de Blai Senabre

"Era uma vez um rei que adorava queijos. Ele gostava tanto que os fabricava em seu próprio palácio e por todo o lado o que se via era queijos e mais queijos. Queijos de todos os tipos e tamanhos. Defumados, fundidos e fedidos. Com ervas, pimentas ou picles. Queijos por toda a parte. Apesar do belo e florido jardim, o aroma que imperava ali era de... adivinhe?... Exatamente isso: queijo.

Um dia particularmente quente, o odor estava insuportável. Até para o rei que gostava tanto de queijo. Ele mandou que abrissem as janelas para que entrasse um ventinho e amenizasse aquele futum horrível.

Péssima ideia.
Carregado pelo vento, o cheiro das montanhas de queijo estocadas no palácio chegou até uma toca onde viviam centenas de ratinhos. Todos sabem que a comida favorita do rato é... adivinhe?... Exatamente isso: queijo.
Enlouquecidos pelo odor daquela delícia, as centenas de ratinho se puseram a correr em direção ao palácio real. Os guardas nada puseram fazer para deter a invasão da massa de roedores que, em poucos minutos, já tinha se jogado contra tudo quanto era queijo que havia no palácio. O rei, coitado, subiu no trono e de lá gritou chamando os conselheiros. Eles acudiram pressurosos, alguns em cima de pernas de pau com medo dos ratos.
- Conselheiros, precisamos fazer algo para acabar com esses ratos, senão eles acabam com os meus preciosos queijos!
Pensa que pensa, um dos conselheiros teve a ideia: gatos!
O rei então mandou que trouxessem gatos para acabar com os ratos.
Em pouco tempo, os gatos chegaram - dezenas deles - e logo se puseram a perseguir os ratos. O rei ficou feliz e até bateu palmas. Logo o palácio ficou livre dos terríveis roedores.
Mas, depois de acabados os ratos, o que se iria fazer com os gatos? 
O palácio estava cheio deles. Havia gato em todos os aposentos, dentro de tudo quanto era cesto, armário, gaveta e guarda-roupa. Debaixo da cama, em cima da geladeira, pendurado nas cortinas. O rei já estava enlouquecendo com tanto miado, isso para não falar do fedido cocô que eles faziam em tudo quanto era vaso de planta.
Aborrecido, o rei gritou pelos conselheiros.
Eles vieram rapidinho ver o que estava chateando sua majestade.
- Conselheiros, precisamos fazer algo para acabar com esses gatos, senão eles acabam com os meus nervos!
Pensa que pensa, um dos conselheiros teve a ideia: cachorros!
O rei então mandou que trouxessem cachorros para expulsar os gatos.

Em pouco tempo, os cachorros chegaram - dezenas deles - e logo se puseram a perseguir os gatos. O rei ficou feliz e até bateu palmas. Logo o palácio ficou livre dos terríveis felinos.
Mas, depois de acabados os gatos, o que se iria fazer com os cachorros? 
O palácio estava cheio deles. Havia cachorro em todos os aposentos, debaixo da cama, da mesa, das cadeiras, até do trono. O rei já estava enlouquecendo com tanto latido, isso para não falar do monte de cocô e xixi que eles faziam em tudo quanto era canto, pé de cadeira, de mesa e até do relógio de pé.
Irritado, o rei gritou pelos conselheiros.
Eles vieram rapidinho ver o que estava incomodando sua majestade.
- Conselheiros, precisamos fazer algo para acabar com esses cachorros, senão eles acabam com o palácio!

Pensa que pensa, um dos conselheiros teve a ideia: leões!

O rei então mandou que trouxessem leões para expulsar os cachorros.
Em pouco tempo, os leões chegaram - vários deles - e logo se puseram a perseguir os cachorros. O rei ficou feliz e até bateu palmas. Logo o palácio ficou livre dos bagunceiros animais.
Mas, depois de acabados os cães, o que se iria fazer com os leões? 
O palácio estava cheio deles. Havia leões em todos os lugares, obrigando o rei, a rainha, as princesas, as damas e os nobres de sua corte a se trancarem em seus quartos. Ai aconteceu algo muito chato, que já deve ter acontecido com você. O rei ficou com vontade de fazer xixi. Mas muita vontade mesmo. O problema é que o banheiro ficava do outro lado do corredor. Como é que o rei ia sair do quarto com tanto leão do lado de fora?
Irritado e muito apertado, o rei gritou pelos conselheiros, que estavam trancados do lado de fora do palácio, todos com medo dos leões.
- Conselheiros, precisamos fazer algo para acabar com esses leões, senão eles acabam conosco!

Pensa que pensa, um dos conselheiros teve a ideia: elefantes!

O rei então mandou que trouxessem elefantes para expulsar os leões.
Em pouco tempo, os elefantes chegaram e logo se puseram a perseguir os leões. O rei ficou feliz e até bateu palmas. Logo o palácio ficou livre dos terríveis felinos.
Mas, depois de acabados os leões, o que se iria fazer com os elefantes? 
O palácio estava cheio deles. Tinha elefante até dentro da banheira do rei! Como são bichos muito grandes, logo não havia espaço para mais ninguém. O rei, a rainha, as princesas, as damas, os nobres de sua corte e seus conselheiros tiveram que ficar fora do palácio.
Não seria tão mal, porque os jardins reais eram muito belos. O problema foi que começou a chover. Logo, as penteadas perucas do rei, dos nobres e dos conselheiros e os lindos penteados de cachinhos da rainha, das princesas e das damas começaram a se desmilinguir, ficando todos com péssima figura.
Irritado e todo molhado, o rei gritou pelos conselheiros.
Eles nem precisar vir rapidinho porque já estavam lá, igualmente encharcados.
- Conselheiros, precisamos fazer algo para acabar com esses elefantes, senão teremos que nos mudar para outro palácio! 


Pensa que pensa, em meio a um espirro e outro, um dos conselheiros teve a ideia: ratos!

Epa, nós já não passamos por isso há alguns parágrafos? Mas se pensarmos com atenção, o único animal capaz de assustar o elefante é o rato. 
O rei teve que concordar, só que dessa vez ele foi esperto. Quando os ratos chegaram no palácio, antes de deixá-los entrar, o rei fez um acordo com eles: poderiam comer apenas uma quantidade que ele iria deixar para eles no salão. Celebraram o acordo com um aperto de mão e pata, no fio do bigode, como se dizia antigamente.
E foi assim que os ratinhos livraram o palácio - o rei, a rainha, as princesas, as damas, os nobres e os conselheiros - dos enormes paquidermes. E pelo sim, pelo não, o rei mandou construir enormes câmaras refrigeradas para guardar os seus preciosos queijos...
Não sei é verdade ou mentira mas esse conto se acabou!"

Esta estória - que aqui está em versão livremente adaptada por mim - me foi contada hoje na Biblioteca Central de Cerdanyola, na grande Barcelona, em catalão pelo grande narrador espanhol Blai Senabre. O tema de sua sessão era "Histórias de Palácio".
Mais tarde, ele me disse que era uma versão que ele tinha feito do conto árabe "O sultão e os ratinhos", publicado em catalão por Joan de Boher. 😊

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