domingo, 24 de novembro de 2019

Espelho fiel - meu primeiro microconto

A que chega a audácia dos incautos, tsc tsc...
Não é que decidi participar de um concurso de microcontos aqui na Espanha e em catalão? Pois bem, meu nível de catalão é ainda básico, de modo que escrevi o texto em espanhol e fui levando para o catalão que conhecia. Minha professora Lidia Ponsatí Marín revisou e eu tive o atrevimento de inscrevê-lo no I Concurs de Microrelats de l'Ateneu. Não ganhei, mas fiquei entre os selecionados, o que já me deixou muito contente, afinal nunca havia escrito um microconto (confesso que simpatizei muito com o formato) e ainda menos em catalão. Segue o fruto desse trabalho em português e em catalão. A ilustração é a pintura Woman before the mirror, 1912, de Ernst Kirchner.

Espelho fiel
Hoje é o meu aniversário. Agora sou uma distinta senhora de 50 anos. Minha mãe, 50 anos! Já sou uma velha! O espelho parece concordar: olha lá meus cabelos brancos e minhas rugas. Ainda ontem eu era uma garota de 13 anos vivendo seu primeiro amor. Também me posso ver com 18 anos querendo ser piloto de avião; o primeiro casamento aos 19 anos; o primeiro filho aos 23. Balanço a cabeça. Dor e separação.
Mas o tempo cura tudo.
Meus filhos cresceram, já estou aposentada. Será que já está na hora de sentar e esperar que a morte me chegue?
Olho para a mulher no espelho. Ela me dá uma piscadela, cúmplice e sábia. Mais sábia do que eu. Não, ainda não, ela sorri e me conta um segredo: ainda tem muito para eu ver, para viver. Quem sabe se o amor não está lá ao virar da esquina?
Abro a porta e saio decidida, não sem antes dar uma última olhada no espelho. E sabe o que vejo? Esperança e uma bela mulher. Sorrio. Já está na hora. Vou ao Ateneu. Hoje é dia de espetáculo. Hoje é dia de celebrar a vida, a minha vida!


***
Mirall fidel

Avui és el meu aniversari. Ara soc una distingida senyora de 50 anys. Mare meva, 50 anys! Soc una vella ja! El mirall sembla estar d’acord: mira allà els meus cabells blancs i les meves arrugues. Em nego a acceptar-ho. Encara ahir jo era una nena de 13 anys vivint el seu primer amor. Em puc veure també als 18 anys volent ser pilot d’avió; el primer matrimoni als 19; el primer fill als 23. Meneo el cap. Dolor i separació.
Però el temps ho cura tot.
Els meus fills han crescut, ja estic jubilada. És l’hora de seure i esperar que m’arribi la mort?
Miro la dona al mirall. Ella em fa una picada d’ullet, còmplice i savia. Més savia que jo. No, encara no, ella somriu i em diu un secret: encara me queda molt per veure, per viure. Qui sap si l’amor no hi és a la volta de la próxima cantonada?
Obro la porta i surto decidida, no sense abans fer una última ullada ao mirall. I saps qué hi veig? Esperança i una bella dona. Jo somriure. És l’hora ja. Vaig a l’Ateneu. Avui és un dia d’espetacle. Avui és un dia per celebrar la vida, la meva vida!

=>Ouça a versão em catalão aqui.

domingo, 10 de novembro de 2019

Viva São Martinho de Tours!

Escrevo essa história direto da Espanha, de uma linda cidadezinha chamada Cerdanyola del Vallès, em Barcelona. Localizada no vale ocidental, ao pé da Serra de Collserola (um lugar mágico, com traços da civilização romana e construções medievais), Cerdanyola (ou Sardañola, como antigamente era chamada) é uma localidade encantadora, cheia de tradições como a Festa de San Martí (ou  Martinho), padroeiro da cidade, também chamada de "Festa del Tardor", em celebração à chegada do outono.
Vivo no centro, bem próximo à Igreja de San Martí, onde são realizadas a maioria das festas populares daqui. Ontem, sábado, dia 09, assisti pela primeira vez uma interessante manifestação dos Correfocs, que são uma reencenação de uma tradição catalã creditada à Idade Média, dos teatros de rua, quando atores vestidos como demônios e outros seres "apavorantes" corriam com tochas pelas ruas assustando e divertindo o público. Este que vi foi uma performance dos Joves Diables de Cerdanyola.
O grande homenageado desta festa é São Martinho de Tours, nascido por volta de 316 na antiga Panônia, hoje território da Hungria. É considerado um dos grandes impulsionadores do cristianismo na Europa. Nascido em uma família panteísta, que acreditava nos deuses pagãos, Martinho sentiu-se atraído pela igreja cristã desde menino, a despeito da oposição do pai, que o queria soldado como ele mesmo havia sido, não um religioso. Martinho o atendeu e se tornou cavaleiro, mas a vida religiosa o chamou e ele então se dedicou aos estudos teológicos, tendo como mestre Hilário de Poitiers, bispo e mais tarde santo. 
Tornado monge e depois bispo de Tours, na França, Martinho viveu em defesa do cristianismo, exercendo a caridade e o amparo aos pobres. Dizem que possuía dons místicos de cura e dele se conta ainda uma linda história, pretensamente ocorrida em 337, quando ainda era cavaleiro do exécito romano. Estava Martinho em missão pela região de  Samarobriva (atual Amiens, no norte da França) quando encontrou um mendigo, quase morto de frio, pedindo esmola na estrada. Martinho não tinha nada para lhe dar, mas resolveu repartir o pouco que tinha, cortando, com a espada, seu próprio manto, dando-o ao homem. 
Contam alguns escritos que, durante a noite, o próprio Jesus teria lhe aparecido em sonho, vestido com o manto que ele havia dado ao mendigo, agradecendo a Martinho por tê-lo aquecido. Teria sido esse sonho que fez com que ele resolvesse deixar a vida cavalariana e atender ao chamado da fé.
Ele exerceu o bispado por mais de 25 anos. Faleceu no dia 08 de novembro de 397, aos 81 anos, na cidade de Condate (atual Candes de Saint Martin, na região do Vale do Loire, na França), perto de Tours. Foi sepultado em 11 de novembro, dia que passou a ser dedicado a sua memória. Ele é um dos patronos da Guarda Suíça do Vaticano.
Achei muito bacana essa história de São Martinho e por sua vida dedicada à caridade, ao socorro ao próximo, publico minha saudação e homenagem a ele: Viva São Martinho!

Conto: "O semeador de tâmaras"

Esta versão vem do livro El saber es más que la riqueza, de  Silvia Dubovoy O semeador de tâmaras Em um oásis perdido no deserto, o velho El...