Este conto vem do livro Cuentos y leyendas de los hebreos, de Axelle Hutchings e ilustrações de Aurore Petit, (Madrid: Actes Sud, 2014). A tradução e adaptação são dessa cigana aqui.
"Depois do dilúvio, Noé teve que voltar a plantar os pomares que haviam sido inundados. Era um bom lavrador. As romãs já estavam dando seus frutos, cujo suco agridoce servia para acalmar a sede de pastores e caravaneiros. As amendoeiras estavam coalhadas de flores brancas e nas macieiras apareciam os primeiros brotos. Noé plantou então a vinha.
Já se havia passado um tempo trabalhando em seus pomares quando apareceu Satanás no alto da colina. Ele se encarapitou em um monte de pedras e perguntou a Noé:
- Por que você se esforça tanto? Que penoso trabalho você se impôs dessa vez? Deus te tocou com sua graça e livrou o homem e a sua descendência de sua cólera divina! Você salvou do dilúvio todo o reino animal: do inseto mais daninho ao mamífero mais majestoso. O que mais você quer?
Satanás obedeceu cravando seu olhar no homem:
- De acordo. Mas me diga o que está fazendo.
- Estou plantando um vinhedo - respondeu Noé.
- Por quê? - voltou a perguntar Satanás.
Noé se ergueu, enxugou o rosto com a ponta de sua comprida túnica e indicou:
- Porque o fruto da vinha é valioso. Alegra o coração do homem e é saudável tanto para a alma quanto para o corpo.
Satanás quis aproveitar a ocasião: "Esta planta, lhe digo, será minha. Graças a ela, vou encher o inferno de gente..."
E então propôs a Noé com malícia:
- Vou te ajudar. Você já conquistou com sobra o direito de descansar.
- De acordo, - disse Noé. Busca um bom adubo para alimentar esta terra árida.
- Confia em mim! Eu saberei onde encontrar o que seja preciso. Terás um solo fértil e tuas vinhas se dobrarão com o peso das uvas.
Satanás foi buscar um cordeiro. Sacrificou o animal ao pé da primeira vinha e derramou o seu sangue pelo solo. Para a segunda planta, escolheu um leão, para a terceira, um porco. E, finalmente, um macaco teve a mesma sorte na quarta planta.
O adubo de Satanás surtiu o efeito desejado: a vinha de Noé produziu ramos vigorosos.
Os ramos carregaram pesados cachos.
Fizeram a colheita, pisaram a uva e encheram os tachos. Era a primeira colheita depois do dilúvio e a celebraram com alegria. Tiraram a primeira bebida dos cântaros e com ela encheram as taças. Da taça à boca, o vinho soltava a língua e travava amizades, pois o primeiro vinho seguia manso como um cordeiro. Da boca ao estômago, o vinho despertava a animosidade, pois o segundo vinho vinha briguento como o leão. Do estômago à terra, o vinho sujava o solo, pois o terceiro vinho fazia chafurdar na lama como os porcos. Com o quarto se faziam bobagens, davam-se saltos ao redor das tendas do acampamento, soltando palavras sem sentido, como os macacos.
E assim é como, desde então, a gente bebe, junto com o vinho, os defeitos do animais cujo sangue se mesclou com a vinha. Ali, onde Satanás não pode chegar, ele envia o vinho como mensageiro, povoando assim o inferno."
Fizeram a colheita, pisaram a uva e encheram os tachos. Era a primeira colheita depois do dilúvio e a celebraram com alegria. Tiraram a primeira bebida dos cântaros e com ela encheram as taças. Da taça à boca, o vinho soltava a língua e travava amizades, pois o primeiro vinho seguia manso como um cordeiro. Da boca ao estômago, o vinho despertava a animosidade, pois o segundo vinho vinha briguento como o leão. Do estômago à terra, o vinho sujava o solo, pois o terceiro vinho fazia chafurdar na lama como os porcos. Com o quarto se faziam bobagens, davam-se saltos ao redor das tendas do acampamento, soltando palavras sem sentido, como os macacos.
E assim é como, desde então, a gente bebe, junto com o vinho, os defeitos do animais cujo sangue se mesclou com a vinha. Ali, onde Satanás não pode chegar, ele envia o vinho como mensageiro, povoando assim o inferno."