sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Conto: O dedo de Deus também aponta para baixo

Com grande alegria, trago para você meu conto, que ficou entre os finalistas do II Concurso de Contos "Recortes de Caruaru", promovido pelo Instituto Histórico de Caruaru, com apoio da Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras e da Academia Pernambucana de Letras: "O dedo de Deus também aponta para baixo". Agradeço críticas e comentários 😉

O dedo de Deus também aponta para baixo

As contas se empilhavam na mesa. João levou as mãos à cabeça. De costas para ele, Maria, protuberante nos seus quase nove meses de gravidez, limpava os restos do humilde café da manhã. João trabalhava de pedreiro, construindo prédio para os ricos do Maurício de Nassau. Desde os nove anos ajudava em casa, trazendo os trocadinhos que ganhava guardando e lavando carros no Parque 18 de Maio. Os carros dos dotôres, como ele falava, no linguajar de quem nunca foi à escola.

Não porque não quisesse. O maior sonho dele era poder vestir um daqueles uniformes de brim azul-marinho, tênis conga, cadernos e livros debaixo do braço. Mas a mãe, viúva, oito
filhos pequenos para criar, nunca poderia se dar ao luxo de enviar, logo o mais velho, para a
escola, mesmo a pública, quando ele podia trabalhar. E assim o destino correu para ele. Os sete irmãos foram alimentados com o que a mãe ganhava, como doméstica e lavadeira, e com o que ele, menino de nove, depois dez, onze (e assim por diante) trazia dos bicos que arranjava pela rua.

Agora, aos trinta e dois, prematuramente envelhecido pelo trabalho penoso e desgastante
precocemente iniciado, pela falta de alimentação adequada, pela deficiência da assistência
médica pública, estava prestes a ser pai. Maria, sua esposa, tinha dezenove anos. Pequenina,
mirrada, moreninha. Caçula de uma família de treze irmãos. O pai, alcoólatra, batia na mãe, nos irmãos, nela. Aos treze, depois do pai tê-la estuprado, fugiu de casa, lá no Rafael, e foi morar nas ruas. Corpo de menina-moça, não lhe foi difícil encontrar trabalho. Como prostituta.

Arranchou-se numa pensãozinha modesta no Divinópolis, onde as outras meninas também moravam. A cafetina, uma mulher gorda e fedorenta, com um horrendo buço-quase bigode,
as explorava continuamente. Às vezes, tinha que atender a cinco clientes na mesma noite.
Um dia, Maria engravidou. Ao descobrir isso, a dona da pensão a espancou horrivelmente. Ela burlara a regra número um da casa. Não pegar barriga. Expulsa do lugar que se acostumara a chamar de lar, com um filho no ventre e sem um tostão, ela foi dormir na rua.
Gemendo por causa da surra que recebera da ex-patroa, deitou-se na calçada de uma loja
perto do Palácio do Bispo, tentando proteger-se do chuvisco que caía.

Um grupo de senhoras, que saía da Matriz, a viu. Teriam passado direto por Maria, não fosse uma delas, que se apiedou do embrulho humano largado numa calçada, naquela noite tão fria. A mulher, Adelaide Fontes, esposa de um conhecido comerciante português, ao ver que a moça estava muito machucada, levou-a para a Casa de Saúde. Maria foi salva mas perdeu o bebê.

D. Adelaide resolveu tomar a moça a seu serviço. E Maria virou doméstica. O João, com quem se casou logo depois, conheceu quando ele foi na mansão dos Fontes reformar um dos banheiros. Foi amor à primeira vista. João se agradou da moça quieta, tímida, que vinha lhe trazer um copo d’água, de vez em quando. E Maria gostou daquele homem trabalhador, de olhar tranquilo e fala mansa. 

D. Adelaide ajudou-os a fazer o enxoval. Modesto, a maior parte dos itens coisas usadas, doadas pela patroa, mas, ainda assim, um belo enxoval para uma doméstica e um pedreiro. O casal foi morar num casebre no Fernando Lyra, comprado com as economias que João conseguira fazer mais um dinheiro que dona Adelaide deu a eles. Não era muita coisa, mas, para os dois, acostumados com a pobreza e apaixonados, era um pequeno ninho de amor.

Foi nessa época que a patroa de Maria descobriu que estava esperando um filho. Ela estava nos seus quarenta anos e já tinha engravidado várias vezes e abortado em todas. O marido
nem se animava mais. Tinha medo de perder esse também.

No barraco não muito longe dali, Maria também esperava uma criança. João ficara contente com a notícia, mas, ao mesmo tempo, apreensivo. Tinham pouco dinheiro e o que ganhavam mal dava para ele e a mulher. Como iriam sustentar mais um? Ele haveria de querer que pelo menos seu filho pudesse ir para a escola, como nunca pudera ir. Meu Deus, o que fazer? Alheia a isso, Maria cantarolava pelos cantos.

Na mansão dos Fontes, d. Adelaide também se preparava, certa de que, dessa vez, Deus iria lhe ajudar. Os exames mostravam que tudo ia bem. Por que, então, acreditar que algo daria errado? ‘Não’, pensou ela, sacudindo a cabeça, ‘dessa vez, você vai nascer’. E alisou a barriga de apenas oito semanas. E os meses se passaram e os exames provaram estar corretos. Pelo menos até agora. A barriga de d. Adelaide cada vez crescia mais. A de Maria também. E a preocupação de João idem.

Faltando quase um mês para o neném nascer, ele sofreu um acidente na obra e foi dispensado. Desesperado, não quis contar à mulher por causa do bebê. Depois de uma semana, sarado o ferimento, voltou a sair de casa todo dia, dizendo que ia para a obra. As contas, penduradas há algum tempo, pois ele tinha vergonha de pedir dinheiro a Maria, começaram a ser cobradas. Ele continuava a fingir que estava tudo bem e Maria de nada desconfiava.

Um dia, ela estava lavando a louça na casa da patroa, quando começou a sentir as contrações. Morrendo de dor, encostou-se na pia, segurando a barriga. A bolsa d’água arrebentou e o líquido começou a escorrer por entre as suas pernas. D. Adelaide entrou na cozinha naquele momento e viu o estado da empregada. Mais que depressa, correu ao telefone e chamou a ambulância. Dez minutos depois, as duas estavam a caminho da maternidade, quando d. Adelaide deu um grito, ao sentir uma dor insuportável lhe esmagando o ventre. ‘Meu bebê! ’, ela gritou desesperada, ‘Salvem meu bebê!’

João foi avisado pela vizinha e correu para o hospital. Ao chegar lá, viu o dr. Fontes, sentado no sofá, com o rosto entre as mãos. Era a imagem do desespero. Estava na loja quando lhe telefonaram, avisando que a mulher fora hospitalizada.

O médico saiu do bloco cirúrgico. Os dois homens olharam para ele. ‘O parto está sendo muito difícil’, começou ele, ‘de modo que não podemos prever nada’. O marido de d. Adelaide baixou a cabeça. ‘Meu Deus, me ajude! Não posso perdê-la também...’, e começou a chorar baixinho. João apiedou-se daquele homem. Tão rico, tão poderoso e, no entanto, tão impotente quanto às coisas da vida. Sacudiu a cabeça. Só mesmo Deus.

Numa das salas de parto, os médicos lutavam para trazer um bebê à vida, enquanto que numa outra uma mulher acabava de perder o filho. Uma hora depois, o mesmo médico que viera antes, saiu para falar com eles.

‘Senhores’, pigarreou contrito, ‘suas esposas deram à luz e passam bem, mas...’

‘Graças a Deus! ’, dr. Fontes interrompeu o médico, visivelmente aliviado. Adelaide estava a salvo, era o que importava. João puxou a manga do obstetra.  ‘Doutor, e o meu filho?' 
O médico sacudiu a cabeça, pesaroso. ‘Infelizmente, seu filho não sobreviveu.' 
João fechou os olhos. Sentiu uma mistura de tristeza e de alívio. Deus é sábio, pensou ele. 

O médico perguntou se queriam ver as esposas. No mesmo quarto (exigência de d. Adelaide), as duas mulheres descansavam, depois da luta para trazer os filhos ao mundo. D. Adelaide, orgulhosa, os louros cabelos penteados pela enfermeira, sorriu quando o marido entrou. Maria, de olhos fechados, parecia serena e conformada com a morte do seu filhinho. João a beijou na testa. Ela entreabriu os olhos. 

D. Adelaide estendeu as mãos para ela e murmurou: ‘Obrigada’... Maria assentiu. João olhou de uma para outra, sem entender. No berçário, um saudável bebezinho moreno, de fartos cabelos escuros chorava, inconsolável por ter sido arrancado do seu refúgio seguro. No pequenino pulso, a pulseira de identificação com o nome João Augusto Fontes.

***

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Domingo com estórias da Cigana no Polo Caruaru


Você conhece a lenda da flor do Natal? E a origem do pinheirinho e suas luzes? Pois no próximo domingo (10), Gabriela Kopinits - a Cigana Contadora de Estórias - vai contar essas e outras estórias na Festa do Comércio do Polo Caruaru.
Carioca radicada em Caruaru, Gabriela, que também é autora infantil, vai trazer, entre suas narrativas, um pouco do começo dessa festa, revivida pelo Polo. “Quando eu vim para cá, a Festa do Comércio já não era mais realizada, mas ficou na memória afetiva do povo - e na própria história do município - como um momento lindo, de congraçamento entre as famílias no centro da cidade, com uma programação cultural e social riquíssima. Poder fazer parte disso, nessa nova roupagem, é uma honra”, comentou a contadora de estórias, que se apresenta às 14h.
A Festa do Comércio do Polo vai até o dia 31 de dezembro. Além de contação de estórias, a programação tem shows de artistas e de calouros, parque de diversões, retretas no coreto, pastoril e até a Monga, a Mulher Gorila, atração que durante anos assustou e divertiu os foliões. A entrada é franca. O centro de compras fica na Rodovia BR 104, km 62.

Guanabara Comunicação
Imagem:  Allison Lima


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Domingo tem as estórias da Cigana nas “Olindas”


No próximo domingo (29), a escritora Gabriela Kopinits - a Cigana Contadora de Estórias vai estar no Centro de Cultura Luiz Freire participando do projeto “Coisas que se contam nas Olindas”, parceria do centro com a Ekó Educação e Cultura. Com “Suave na nave: o céu é o limite”, o projeto propõe no mês das crianças uma tarde cheia de estórias para elas, com direito a brincadeiras e muita alegria. “Será uma honra participar desse projeto, que considero muito bacana”, comenta Gabriela, autora do livro infantil “Era uma vez... estórias de uma contadora de estórias” (Cepe Editora).

Além da Cigana, também vão participar a escritora Solange Lasalvia, Guga Bezerra e Júlia Sol. A entrada é gratuita e a apresentação acontecerá no Centro de Cultura Luiz Freire, no Bairro do Carmo, em Olinda.

SERVIÇO
“Suave na nave: o céu é o limite”
Data: 29/10/2017, a partir das 15h30
Local: Centro de Cultura Luiz Freire
Endereço: Rua 27 de Janeiro nº 181, Carmo, Olinda

Guanabara Comunicação

Imagem: Allyson Lima

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Conto: A bruxa que tinha medo do Halloween


Era uma vez uma garota chamada Katie.

Katie tinha sete anos.

E ela morava numa linda casa com a mãe e um cachorro chamado Muffin.

E era tudo realmente muito normal.

Exceto por uma coisa.

Eles eram bruxos.

Bem, exceto Muffin, que era um C-bruxo, que é um cão que lança feitiços.

De qualquer forma, ser uma bruxa não era tão ruim.

Mamãe simplesmente mexia o nariz e toda a limpeza estaria feita.

Papai agitava a varinha, e a grama se cortaria.

Muffin estalava as patas, e alguns biscoitos caninos caíam do céu.

Eles até ensinaram Katie alguma magia.

Ela sabia até como fazer sua tarefa de casa se fazer sozinha.

E seu quarto ficava arrumado apenas mexendo sua orelha.

Mas havia apenas uma coisa que Katie realmente não gostava.

Dia das Bruxas.

Uma vez por ano, quando as folhas estavam caindo das árvores, e as noites ficavam mais longas, todas as crianças da escola e ao longo da rua ficariam excitadas com o Dia das Bruxas.

Eles faziam fantasias de bruxas de aparência horrível.

Com longos narizes pontudos e manchas, e desagradáveis chapéus pretos ​​e vassouras.

E Katie disse na escola: "As bruxas não são assim, realmente. Minha mãe tem uma aparência muito boa. "

E todas as outras garotas caíram na risada.

"Katie acha que ela é uma bruxa", eles riram. "Ela é feia e horrível, assim como uma bruxa".

E quando Katie foi para casa naquele dia, ela estava realmente chateada.

Ela chorou e chorou e chorou. E quando sua mãe perguntou-lhe qual era o problema, ela disse: "Todo mundo odeia as bruxas. E especialmente as odeiam no Halloween ".

E sua mãe tentou explicar que, embora algumas pessoas não gostassem de bruxas, também era bastante útil ser uma bruxa às vezes, como quando toda a louça se lavava por si só.

"Eu nunca quero ter nada a ver com bruxaria novamente", disse Katie com raiva.

Mas na noite do Dia das Bruxas, todas as garotas da escola organizavam um passeio de doçuras ou travessuras pela rua.

E Katie não queria ir, porque decidira que não queria ter nada a ver com bruxaria.

Nunca nunca nunca….

Mas sua mãe disse que precisava.

Porque uma bruxa dificilmente pode ficar dentro de casa no Halloween.

E ela sussurrou algo na orelha de Katie.

Você sabe o que era?

Bem, eu vou te dizer em um minuto.

De qualquer forma, Katie foi juntar-se às outras garotas.

E algumas delas começaram a rir dela.

"Katie não precisa se fantasiar, porque ela já é uma bruxa", elas riram.

E Katie ficou chateada.

E com vergonha.

Mas ela decidiu não dizer nada.

Na primeira casa, elas ganharam um monte de sorvetes de limão.

Na segunda, um enorme pacote de doces.

Na terceira, montes e montes de batatas fritas.

E na quarta, um pacote gigante de biscoitos de chocolate.

Mas na quinta casa vivia um homem chamado Senhor Bones.

E o Senhor Bones não gostava de crianças.

Ele certamente não entendia por que deveria dar-lhes algum doce.

"Caiam fora, suas crianças estúpidas", ele disse quando elas bateram na porta.

"Doçura ou travessura, doçura ou travessura ...", gritaram as garotas.

"Sim, bem, acho que vou ficar com a travessura, se não se importarem", disse o Senhor Bones.

E um sorriso horrível enrugou-lhe o rosto.

"Porque vocês são apenas um monte de meninas estúpidas, e vocês não me assustam".

"Mas uma de nós é uma bruxa de verdade", disse Amelia, a maior das meninas.

"Sim, sim, Katie é uma bruxa de verdade", todos disseram.

Mas o Senhor Bones apenas riu e riu.

"Essa é a coisa mais estúpida que já ouvi", disse ele.

"Continue, Katie", disse Amelia. "Vamos ver se você realmente é uma bruxa".

E Katie avançou para frente.

"Você não parece assustadora para mim", disse o Senhor Bones. "Você é apenas uma menina estúpida".

Mas Katie lembrou-se do que a mãe dela havia sussurrado no ouvido.

Você sabe o que era?

Um feitiço especial.

Então, então, Katie recitou as palavras mágicas.

E ela mexeu a orelha.

E todas as garotas tremeram de espanto.

Porque de repente o Senhor Bones já não era o Senhor Bones.

Ele virou um pequeno hamster marrom e fofo. Dentro de uma gaiola. Correndo e correndo dentro de uma roda.

Todas as meninas riram e riram.

Katie se inclinou para dentro da gaiola. "É divertido ser um hamster?"

A criatura chiou e sacudiu a cabeça.

E Katie girou a roda, de modo que ele teve que correr cada vez mais rápido.

E então ela recitou as palavras mágicas e o Senhor Bones voltou a ser um homem novamente.

"Eu vou pegar algumas guloseimas, meninas", ele disse com muita rapidez e nervosismo.

E ele voltou com toneladas de barras de chocolate, refrigerantes, biscoitos e até um novo DVD da Barbie para cada garota.

"Por favor, voltem no ano que vem, meninas", disse ele. "Eu vou ter coisas ainda melhores para vocês".

E ele voltou para dentro, parecendo muito nervoso.

E quando elas desceram a rua, todos ouviram que havia uma bruxa de verdade fazendo doçuras e travessuras esta noite, então todos deram às meninas ainda mais doces e biscoitos do que o habitual, e até alguns brinquedos.

E Katie virou a garota mais popular da sua classe.

"Você sabe, talvez não seja tão ruim ser uma bruxa depois de tudo", disse ela quando chegou em casa. "E eu acho que vou gostar do Halloween de agora em diante".

Texto e ilustração: Story Nory
Tradução da Cigana Contadora de Estórias

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Conto espírita: Três pedidos atendidos


Três pedidos atendidos

Naquele ano, um grande baque atingiu o coração do jovem casal. Seu filho, de apenas sete anos, partiu para a Espiritualidade.
Haviam sido meses exaustivos de cuidados até que a enfermidade o abraçou, minando-lhe a vida física.
Um ano depois, em férias, optaram por visitar a Turquia. Entre tantas paisagens maravilhosas, uma visita especial a Éfeso, à casa de Maria, a mãe de Jesus.
A edificação de pedra, no monte Rouxinol, recebe, anualmente, cerca de dois milhões de visitantes.  A grande maioria relata intensas emoções ao adentrar o local.
Não foi diferente com eles. De mãos dadas, andaram por entre aquelas paredes, lembrando a grandeza do Espírito de Maria de Nazaré.
Recordaram o que haviam lido em obras que relatavam a respeito de João ter ido a Betânia buscar a mãe de Jesus para que viesse morar com ele.
Recordaram... recordaram, enquanto os corações pareciam unidos em prece.
Na saída, sentaram em uma pequena mureta, contemplando o que faziam quase todos os peregrinos: escreviam em um papel três pedidos e colocavam o bilhete entre as pedras de um extenso muro lateral.
Ambos ficaram ali, olhando, e disseram um ao outro: Por que escrever em um papel o que desejamos, se Deus conhece o que vai na nossa intimidade?
Ademais, pensaram, como podemos pedir algo mais à Divindade? Nosso filho se foi, mas guardamos a certeza de que vive na Espiritualidade.
Nossa filha está bem. Nós temos saúde, emprego. Que mais poderíamos pedir?
Numa prece silenciosa, rogaram ao Pai Supremo que, se algo pudessem receber a mais, por Sua vontade, então que Ele lhes enviasse.
Retornaram ao Brasil e, mal passados dez dias, Oswaldo recebeu um telefonema. Era de uma cidade do Estado vizinho.
A questão era simples: três meninas estavam à disposição para adoção. Ele gostaria de adotá-las?
O número três lhe veio à mente, de imediato. Três pedidos poderiam ter sido feitos lá em Éfeso. Eles haviam deixado que Deus decidisse se mereceriam algo mais.
Agora, Deus estava lhes enviando três joias para sua casa.
O Divino Pai ouvira sua rogativa e a atendera.
Entre a emoção e a gratidão, telefonou para a esposa e juntos foram buscar as três pérolas que Deus lhes encaminhara aos generosos corações.
Dez anos se passaram. As joias cresceram, se desenvolveram e, repetidas vezes, entre abraços de amor, dizem ao jovem casal como sua presença é importante em suas vidas.
***
Fonte: Redação do Momento Espírita, com base em fato, relatado por Oswaldo Feltrin.
Em 20.10.2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Uma estória de magia e amor contada por quatro contadores encantados


Hades e Persephone by Alexandra V Bach
Esta estória nasceu depois de uma sessão do Storytelling Club da Cultura Inglesa Caruaru, que fiz com alunos de turmas de inglês intermediário e avançado. Usei a técnica do baú do tesouro, onde vários objetos são colocados dentro de um baú (ou uma cesta, uma bolsa, uma caixa, etc). O meu baú dos tesouros tem vários objetos representativos de vários estórias que já contei, como a lâmpada do Aladim, o gorro do Pequeno Polegar, o nariz da bruxa de João e Maria, um anel de cristal "cabelo de fada" (quartzo rutilado), um biscoito encolhedor de Alice no País das Maravilhas, a varinha de condão da Fada Azul de Pinóquio, um colar de sereia, a tikka da Sherazade, o macaquinho que não conseguia dormir, um isqueiro mágico (da estória escrita por Andersen), o bracelete da Pocahontas, a abóbora da Cinderela e um pedaço de arco-íris.

Cada um dos meus alunos tirou um objeto. Pedi que eles olhassem bem seu objeto e imaginassem sua estória, de onde vieram. Depois de alguns minutos, a magia começou o seu trabalho. Cleyton, do Pre-Intermediate, pegou o  nariz da bruxa e o anel do cristal "cabelo de fada" e foi quem começou a estória: 

"Era uma vez uma mulher muito feia. Ela era muito feia, mas também muito rica. E ela queria se casar com um lindo príncipe. Então, ela foi atrás de uma bruxa na floresta e disse a ela que precisava de algo mágico que a fizesse ficar bonita. A bruxa disse que o que ela queria era algo muito difícil, precisaria de magia muito forte e ela não poderia ajudá-la. Desesperada, a mulher ofereceu tudo que tinha - joias, ouro, dinheiro - mas ainda assim a bruxa recusou. A mulher disse que faria qualquer coisa para se tornar bela.
- Você trocaria seu palácio pela minha cabana? - perguntou a bruxa.
A princípio, a mulher não queria, mas se aquilo era o que a faria conseguir se tornar bela, então que fosse. Ela trocou o seu lindo palácio pela horrenda cabana da bruxa. E a feiticeira deu a ela um anel mágico. Ela deveria deixar o anel exposto à luz da lua e usá-lo no dia seguinte.
A mulher assim fez. Colocou o anel na janela para tomar um banho de lua, mas aí apareceu um macaco...

E Cleyton escolheu dessa forma o próximo contador da estória, escolhendo o objeto tirado do baú do tesouro. Então Janeide, da turma do Advanced, entrou na estória...

O macaco achou o anel tão lindo, brilhando à luz do luar - ele adorava coisas brilhantes - então ele correu e roubou o anel, fugindo pela janela, rápido como um corisco, em direção à floresta.

Na manhã seguinte, quando a mulher acordou, ela percebeu que o anel mágico tinha desaparecido e ela chorou amargamente, pois esse anel era sua única chance de se tornar bela, de conquistar o coração do seu príncipe. Então, ela decidiu procurá-lo, mas, ainda que ela tivesse procurado em todos os lugares, o anel não estava em nenhum lugar. Ela se lembrou que havia uma feira na cidade e talvez ela pudesse encontrar outro objeto mágico para ajudá-la. E lá foi ela...

E Janeide convocou o próximo contador, adicionando a lâmpada mágica do Aladim, o objeto escolhido por Daniela, da turma Upper 1. E Daniela continuou a estória...

Ela comprou uma lâmpada mágica e esfregou-a, até que um gênio apareceu. O gênio disse que poderia conceder-lhe três desejos, mas seu único desejo era tornar-se bela para que pudesse ganhar o coração do príncipe. No entanto, o gênio disse que sua magia não era forte o suficiente para realizar tal milagre, apenas o anel da bruxa poderia fazê-lo. A mulher disse que o tinha perdido. Usando seus poderes, o gênio viu o que aconteceu com o anel e disse-lhe que um macaco o havia roubado na noite em que ela o havia colocava sob o luar. O macaco, no entanto, havia desaparecido, nem mesmo a magia conseguiu encontrá-lo. O gênio então lhe disse que sabia de um pó de fada que talvez pudesse ajudá-la. Ele a levou até o reino das fadas e...

Neste ponto, Daniela escolheu o próximo contador, Élida, do Pré-Intermediário 1, que tomou o pó de fadas mágico como seu objeto. Então Élida entrou na estória.

As fadas deram à mulher uma poção mágica feita com pó de fadas mas que, por mais poderosa que fosse, ainda não podia fazê-la linda, mas poderia fazê-la voltar no tempo. A mulher teve uma ideia, ela iria voltar no tempo até o momento em que o pequeno macaco estava prestes a roubar o anel. A mulher então tomou a poção e voltou no tempo. Ela correu para o anel e o escondeu em um lugar seguro para que o macaco - ou qualquer outra pessoa - não conseguisse pegá-lo.

Na manhã seguinte, estava chovendo e havia um lindo arco-íris no céu. O anel refletia todas as suas cores.

Foi assim que Élida devolveu a estória para mim, que havia escolhido um pedaço de "arco-íris" - um laço colorido, da bandeira peruana de Cusco, a capital do Império Inka.

As cores refletiam não só sobre o anel no dedo da mulher, mas também sobre ela, criando uma ilusão de mágica, uma aura de fadas, tornando-a a mais bela criatura do mundo. Então, quando o príncipe a viu, ele ficou tão encantado, tão enfeitiçado por sua beleza mágica, por todas as cores magníficas que a rodeavam, que imediata e irremediavelmente ele se apaixonou por ela. Eles se casaram e ele fez dela sua princesa. E eles viveram felizes, magicamente, para sempre. E é assim que a estória termina.

Quando terminamos a nossa estória, estávamos tão emocionados, tão tocados pela nossa criação, que bateram palmas, felizes e orgulhosos do nosso trabalho. Posso dizer que foi um dos mais belos momentos de narração da minha vida. Abençoados sejam todos, meus quatro mágicos e encantados cantadores de estórias!
Caruaru, 20 de maio de 2011 / Cultura Inglesa Caruaru
English and original version

A story of magic and love told by four enchanted tellers
Gabriela the Brazilian Gypsy Storyteller
After telling The Flower of Honesty story, at our Storytelling Club (every Friday at Cultura Inglesa Caruaru’s Library), I showed my chest of treasures full of objects borrowed from stories and tales I had told. I showed all the objects – Aladdin’s lamp, Tom Thumb’s hat, a witch’s nose (from Hansel and Gretel), a fairy hair crystal ring, an Alice in Wonderland’s shrinking cookie, the Blue Fairy wand (from Pinocchio), a mermaid’s necklace, Sheherazade’s tikka, the little monkey that wouldn’t let his dad sleep, a magical lighter (from the Tinderbox story), Pocahontas’ bracelet, Cinderella’s pumpkin and a piece of rainbow – and asked each one to choose an object.
Cleyton – from Pre-Intermediate – picked a witch’s nose and a fairy hair crystal ring and began weaving the story…
Once upon a time there was a very ugly woman. She was very ugly but also very rich. And she wanted to marry a beautiful prince. So she went after a witch, in the forest, and told her she needed something magical to make her beautiful. The witch said what she wanted was something very difficult, needed a lot of magic and she couldn’t help her. Desperate, the woman offered everything she had – jewels, gold, money – but still the witch refused. The woman said she would do anything to become beautiful.
- Would you trade your palace for my hut? – asked the witch.
At first, the woman didn’t want but if that was what it would take for her to become beautiful, so be it. So she traded her beautiful palace for the horrible witch’s hut. And the witch gave her a magical ring. She should put the ring under the full moon light and wear it the next day.
The woman did as she was told and put the ring at the window so it would catch the moonlight but then there was a monkey…
And Cleyton chose the next storyteller by prompting another object: a little toy monkey. So Janeide – from the Advanced class – stepped in.
The monkey found the ring so beautiful, shiny with the moonlight – he loved pretty shiny things – so he ran and stole it. And through the window the little monkey went, speedy as light, heading for the forest.
The next morning, when the woman woke up, she realized the magical ring was gone and she wept bitterly, for that ring was her only chance of becoming beautiful, of conquering her prince’s heart. So she decided to look for it, but, even though she searched everywhere, the ring was nowhere to be found. She remembered there was a town fair and maybe she could find another magical object to help her. And there she went.
And Janeide prompted the next teller, by adding a magical lamp, the object chosen by Daniela, from Upper 1 class. And Daniela continued the story…
She bought a magical lamp and rubbed it, until a genie appeared. The genie said he could grant her three wishes but her only wish was to become beautiful so that she could win her prince’s heart. But the genie said his magic wasn’t strong enough to perform such a miracle, only the witch’s ring could do it. The woman said she had lost it. Using his powers, the genie saw what had happened to the ring and told her that a monkey had stolen it on the night she put it under the moonlight. The monkey  had disappeared, not even magic was able to find it. The genie, then, told her he knew of a fairy dust that maybe could help her. So he took her all the way down to fairyland and…
At this point, Daniela chose the coming teller, Élida, from Pre-Intermediate 1, who had taken the magical fairy dust as her object. So Élida stepped in.
The fairies gave the woman a magical fairy dust potion that, powerful as it was, still couldn’t make her beautiful, but could turn back time. The woman had an idea, she would go back in time until the moment the little monkey was about to steal the ring. So the woman drank the potion and went back in time. She ran to the ring and hid it away, in a safe place, so the monkey – or anybody else – couldn’t get it.
The next morning, it was raining and there was a beautiful rainbow at the sky. The ring reflected all of its colours.
That´s how Élida got back to me, who had ended up with a piece of “rainbow” – a coloured lace, from the Peruvian’s Cusco’s flag.
The colours reflected not only on the ring on the woman’s finger but also on her, creating an illusion of a magical, fairy aura, making her the most beautiful creature of the worlds. So when the prince saw her, he was so enchanted, so bewitched by her magical beauty, by all the magnificent colours surrounding her, that immediately, helplessly, he fell in love with her. He married her and made her his princess. And they lived happily, magically, ever after. And that’s how the story ends.
When we finished our story, we were all so moved, so touched by our creation that we clapped our hands, happy and proud of our work. I can tell you it was one of the most beautiful storytelling moments of my life. Blessed be them all, my four magical, enchanted tellers!

Caruaru, 20th May 2011 / Cultura Inglesa Caruaru
https://culturainglesacaruaru.wordpress.com/2011/05/22/a-story-of-magic-and-love-told-by-four-enchanted-tellers/

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Conto: O avô e o netinho

Essa é especial, em homenagem aos avôs e avós do mundo todo, comemorando o seu dia neste 26 de julho! "Um avô é aquele que tem prata no cabelo e ouro no coração", diz a sabedoria do povo. Curta o seu enquanto puder, eles são um livro precioso cheio de histórias incríveis!
Esse conto veio dos irmãos Grimm. A foto é do site BioCare e a ilustração é de Arthur Rackham. 





       Havia, uma vez, um homem muito velho, cujos olhos eram embaçados, seus ouvidos cansados de ouvir, seus joelhos trêmulos, e, quando se sentava à mesa, mal podia segurar a colher, e derramava o caldo sobre a toalha ou deixava escorrer pela boca.
O seu filho e a esposa dele achavam aquilo muito repugnante, até que fizeram o velho avó se sentar num canto, atrás do fogão, e lhe davam pouca comida em uma tigela de barro. Ele olhava a mesa com olhos afogados em lágrimas. Certo dia, sua mão trêmula não segurou a tigela, que se despedaçou no chão. A jovem esposa o repreendeu, ele suspirou apenas. Compraram eles, então, por cinco centavos, uma tigela de madeira na qual o velho teria que comer.
Sentados, dias depois, o filho e a esposa notaram o neto, de apenas quatro anos, coletando pedaços de madeira do chão. "O que faz aí?" perguntou seu pai. "Estou fazendo uma gamela", replicou o garoto, "para o papai e a mamãe comerem quando eu for grande."
O homem e a mulher entreolharam-se por alguns instantes, até que começaram a chorar. Eles levaram o avô até mesa e, desde esse dia, sempre o deixaram comer com eles e nunca disseram mais nada quando ele derramava qualquer coisa.

Versión en Español

El abuelo y su nieto

Esto es especial, en homenaje a los abuelos y abuelas todo el mundo, comemorando su día este 26 de julio! "Un abuelo es aquel que tiene plata en su pelo y oro en su corazón", dice la sabiduría del pueblo. ¡Disfrute de sus abuelos y abuelas de la mejor manera que pueda. Ellos son un libro precioso lleno de historias increíbles! Este cuento vino de los hermanos Grimm. La foto es del sitio BioCare y la ilustración es de Arthur Rackham.





Una vez, un hombre muy viejo, cuyos ojos eran borrosos, sus oídos cansados ​​de oír, sus rodillas trémulas, y, cuando se sentaba a la mesa, apenas podía sostener la cuchara, y derramaba el caldo sobre el mantel o dejaba escurrir por la boca.

El hijo y su esposa hallaron aquello muy repugnante, hasta que hicieron que el viejo abuelo se sentara en un rincón detrás de la cocina, y le daban poca comida en un tazón de barro. Él miraba la mesa con ojos ahogados en lágrimas. Un día, su mano temblorosa no agarró el tazón, que se rompió en el suelo. La joven esposa lo reprendió, y él solamente suspiró. Ellos compraron entonces por cinco centavos, un tazón de madera en el que el viejo tendría que comer.

Sentados, días después, el hijo y la esposa notaron al nieto, de apenas cuatro años, recogiendo pedazos de madera del suelo. "¿Qué haces ahí?" Preguntó su padre. "Estoy haciendo una batea", replicó el chico, "para papá y mamá comer cuando sean viejos."

El hombre y la mujer se miraron entre sí por unos instantes y luego rompieron a llorar. Ellos llevaron al abuelo hasta la mesa y, desde ese día él siempre comió con ellos y nunca más dijeron nada cuando derramaba alguna cosa sobre el mantel.

*Con muchas gracias a mi amigo y profesor Carlos Hantis por la ayuda con la traducción 😊


segunda-feira, 24 de julho de 2017

Opa, olha a Cigana na Biblioteca Pública do Estado!

Opa! Sexta-feira (28) estarei na Biblioteca Pública Estadual, aquela perto do Parque 13 de Maio, no centro do Recife, às 14h contando as estórias do folclore brasileiro e do meu livro "Era uma vez... estórias de uma contadora de estórias" (Cepe, 2014, ilustração de Rivaldo Barboza). A entrada é franca! 
Espero você lá 😉


quinta-feira, 29 de junho de 2017

Conto: "A mãe de São Pedro"

Este veio do maravilhoso livro "Contos tradicionais do Brasil", do folclorista Luís da Câmara Cascudo (Ediouro, 2001), e eu publico neste dia 29 de junho em homenagem ao grande São Pedro, um dos doze apóstolos e o primeiro papa da Igreja Católica.

A mãe de São Pedro

A mãe de São Pedro era uma velhinha muito má, rezinguenta, somítica, com cara de poucos amigos. Não tinha amizades, todos lhe fugiam.
Aconteceu que um dia estava a lavar num córrego um molhe de folhinha de cebolas, quando uma delas se desprendeu, ganhou a correnteza e lá se foi pela água abaixo.
A velha tentou reavê-la, e, não o conseguindo, exclamou:
– Ora, seja tudo pelo amor de Deus!
Não levou muito tempo morreu e foi apresentar-se no céu. Foi pesada na balança de S. Miguel e não houve outro remédio senão mandá-la para o inferno, tão grande era o peso de seus pecados.
O filho ainda andava pelo mundo. Não lhe podia valer.
Quando S. Pedro morreu foi nomeado chaveiro do céu.
Das profundezas do abismo, avistou a velha ao filho no gozo e posse das glórias celestes e pediu-lhe por gestos que a salvasse.
O santo chaveiro, que não podia resolver nada por si, foi ter com o Senhor.
– Salva minha mãe, Divino Mestre.
O Senhor respondeu-lhe assim por estas palavras:
– Se houver registada no livro das almas, na vida de tua mãe, ao menos uma boa ação, estará salva, caso ela saiba aproveitá-la.
Examinou-se o livro e às folhas tantas, nas contas da mãe de São Pedro, se encontrou a folhinha de cebola, nada mais! Era a mesma que motivara aquele dizer com que a velha, ao menos uma vez, se mostrara conformada:
– Seja tudo pelo amor de Deus!
O Senhor disse a Pedro:
– Lança uma das pontas da folhinha em direção ao inferno. Tua mãe que se agarre a ela. Tu puxarás. Se conseguir subir até cá, estará salva.
Pedro fez tudo o que o Senhor lhe ordenara.
A velhinha agarrou-se à folha, mas uma porção de almas, querendo aproveitar o ensejo de salvação, segura-se às pernas da velha. Apesar disto esta subia.
Quando já estava o grupo a certa altura, outras almas se iam apegando às pernas das primeiras.
A velha indignada, de avara que era, esperneou e atirou novamente ao inferno as companheiras, não querendo levá-las para o céu.
Mas, no mesmo instante, a folha de cebola partiu-se, e a mãe de São Pedro ficou no espaço.
Não tinha por onde subir ao céu e o pedacinho da folha que conservava nas mãos não a deixava voltar ao inferno.
E assim vive até hoje: nem na terra, nem no céu.

Colhida em Juiz de Fora, Minas Gerais – Lindolfo Gomes, “Contos Populares, etc.”, volume IIº, p. 86, Ciclo de S. Pedro.

Ilustração: Hime Navarro

Version en Español

La madre de San Pedro

La madre de San Pedro era una viejita muy mala, gruñona, con cara de pocos amigos. No tenía amistades, todos le huían.
Sucedió que un día estaba lavando en un arroyo un mohe de hojitas de cebolla, cuando una de ellas se desprendió, ganó la corriente y allí se fue por el agua abajo.
La vieja intentó recuperala, y, no lo consiguió, exclamó:
- ¡Oh, sea todo por el amor de Dios!
No tardó mucho tiempo murió y fue a presentarse en el cielo. Fue pesada en la balanza de San Miguel y no hubo otro remedio que mandarla al infierno, tan grande era el peso de sus pecados.
El hijo aún andaba por el mundo. No le podía valer.
Cuando San Pedro murió fue nombrado llavero del cielo.
De las profundidades del abismo, divisó la vieja al hijo en el goce y posesión de las glorias celestiales y le pidió por gestos que la salvara.
El santo llavero, que no podía resolver nada por sí, fue a tener con el Señor.
- Salva a mi madre, Divino Maestro.
El Señor le respondió así por estas palabras:
- Si hay registrada en el libro de las almas, en la vida de tu madre, al menos una buena acción, estará salva, si ella sabe aprovecharla.
Se examinó el libro y las hojas tantas, en las cuentas de la madre de San Pedro, se encontró la hoja de cebolla, nada más. Era la misma que motivó a aquel decir con que la vieja, al menos una vez, se mostró conformada:
- ¡Sea todo por el amor de Dios!
El Señor le dijo a Pedro:
- Lanza una de las puntas de la hoja hacia el infierno. Tu madre que se aferra a ella. Tú tirarás. Si logra subir hasta aquí, estará guardada.
Pedro hizo todo lo que el Señor le había mandado.
La viejita se aferró a la hoja, pero una porción de almas, queriendo aprovechar la ocasión de salvación, se sostiene a las piernas de la vieja. A pesar de esto esta subía.
Cuando ya estaba el grupo a cierta altura, otras almas se iban a agarrar a las piernas de las primeras.
La vieja indignada, de avara que era, esperó y arrojó de nuevo al infierno a las compañeras, no queriendo llevarlas al cielo.
Pero, en el mismo instante, la hoja de cebolla se partió, y la madre de San Pedro quedó en el espacio.
No tenía por dónde subir al cielo y el pedacito de la hoja que conservaba en las manos no la dejaba volver al infierno.
Y así vive hasta hoy: ni en la tierra, ni en el cielo.


Recogida en Juiz de Fora, Minas Gerais – Lindolfo Gomes, “Contos Populares, etc.”, volume IIº, p. 86, Ciclo de S. Pedro.

Ilustración: Hime Navarro


Conto: "O semeador de tâmaras"

Esta versão vem do livro El saber es más que la riqueza, de  Silvia Dubovoy O semeador de tâmaras Em um oásis perdido no deserto, o velho El...