A Baleia era o bicho do mar mais veloz e mais comilão. Nadava mais do que todos os outros peixes e comia por peste. Nosso Senhor torceu o rabo da Baleia. Por isso ela nada mais devagar e é o único peixe que tem a barbatana do rabo virada para baixo, batendo água de baixo para cima, em vez de ser da direita para a esquerda como todos os viventes d’água.
Também a Baleia comia tudo.
Uma feita uma moça devota de Santo Antônio ia rezando com uma imagem desse Santo, pedindo que o navio entrasse logo na barra, quando o Sant’Antônio escapuliu e t’xim bum! caiu no mar. A Baleia, vendo o clarear, veio em cima e, sem reconhecer, engoliu a imagem. Sant’Antônio, para castigar a gulodice, fez a Baleia ficar engasgada e tanto se engasgava mais a goela ia ficando estreita. Sant’Antônio desapareceu e a Baleia ficou, até hoje, só engolindo peixe pichititinho.
A Baleia é peixe nobre,
Não come senão sardinha!
Abre a boca, pega miles,
Engole a mais miudinha!...
Francisco Ildefonso (Chico Preto), Areia Preta, Natal, Rio G. do Norte.
Nota – “A expressão conto etiológico é técnica entre os folcloristas; quer dizer que o conto foi sugerido e inventado para explicar e dar a razão de ser de um aspecto, propriedade, caráter de qualquer ente natural. Assim há contos para explicar o pescoço longo da girafa, o porquê da cauda dos macacos, etc.” João Ribeiro, O Folk-Lore, p. 20, Rio de Janeiro, 1919. A história acima é um conto etiológico, em toda sua legitimidade.
In "Contos Tradicionais do Brasil", Luís da Câmara Cascudo.